O primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, está no Brasil a convite do Presidente Lula. Em Brasília, nessa terça-feira, ele participou da abertura do Seminário 'O Papel da Universidade e da Formação Acadêmica sob a Ótica das Lideranças e Acadêmicos Indígenas', em comemoração aos 25 anos de atuação do Programa Norueguês de Apoio aos Povos Indígenas da Amazônia.
O Programa Norueguês para os Povos Indígenas começou em 1983, como o primeiro programa governamental a fornecer apoio direto para organizações indígenas locais num âmbito internacional. O objetivo é fortalecer as organizações indígenas para desenvolver políticas públicas de qualidade. Atualmente, no Brasil, há 21 projetos com 18 parceiros, entre ONGs ligadas à questão indígena e associações indígenas. A iniciativa busca, além do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, condições para que tenham a possibilidade de articular e promover seus próprios interesses, com a garantia da sustentação do modo de viver por meio de demarcação de terras indígenas; acesso a atendimento médico e escolarização diferenciados; promoção e defesa dos direitos culturais e conhecimentos tradicionais, e fortalecimento do movimento da mulher indígena. Grande parte da verba é administrada pelo governo norueguês, que apóia também projetos aos povos indígenas em outros continentes, como África e Ásia. A Noruega abriga parte da maior população indígena européia, os Sámi, ao lado da Rússia, Finlândia e Suécia. Representantes desse povo indígena também estão participando do seminário. (Veja quadro abaixo).
Para o diretor-presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas - Cinep, Gersem Baniwa, esses 25 anos de apoio norueguês representam uma revolução na perspectiva histórica dos povos indígenas, porque havia previsão de estudiosos de que, na virada do milênio, não existiriam mais índios no Brasil: “Houve exatamente o contrário. Hoje nosso crescimento demográfico é maior que o dobro do crescimento da população brasileira (enquanto se registra crescimento de 1,6% ao ano, os povos indígenas crescem 4% ao ano) e isso se deve ao desenvolvimento da consciência política e da capacidade de articulação dos povos, resultado da cooperação internacional, que apóia a luta pela terra e a valorização de nossas tradições”. Atualmente há cerca de 600 mil índios de 227 etnias.
Segundo Baniwa, o diferencial do apoio do governo norueguês é a flexibilidade: “Os projetos incluem processos de capacitação política, e não apenas técnica, e de consolidação e fortalecimento institucional das organizações indígenas. Não se trata apenas de plantar mais árvores. Isso possibilita mais cidadania, de forma que a o fortalecimento da luta indígena possa ser revertido em novas políticas públicas do Brasil”.
A coordenadora da Iniciativa Amazônia do ISA, Adriana Ramos, explica que a parceria com a Noruega foi uma contribuição importante para o fortalecimento do movimento social indígena e, por sua vez, para a garantia dos direitos territoriais listados na Constituição: “A efetividade desse processo ocorreu não só pelo trabalho do ISA, mas pelo trabalho de outras organizações indígenas e indigenistas apoiadas pela cooperação norueguesa”. Para ela, o reconhecimento acerca da questão dos direitos territoriais é um dos pré-requisitos que gerou as condições para a Noruega fazer o investimento no Fundo Amazônia: “A questão dos direitos territoriais das populações locais é um dos grandes tópicos de polêmica internacional em relação à investimentos em ações de combate ao desmatamento e de valorização da floresta. Em países em que os direitos territoriais das comunidades locais não são reconhecidos , esse tipo de investimento pode gerar mais pressão sobre essas comunidades. Você valoriza mais a floresta em pé, o que pode resultar em mais demanda e interesse sobre a floresta e, portanto, gerar um desequilíbrio de forças e mais conflitos no território. No caso do Brasil, esses recursos vêm já tendo como pano de fundo essa garantia de direitos territoriais, o que permite que agora a gente avance em novas ações relacionadas à sustentabilidade dessas terras”, conclui a coordenadora.
Jens Stoltenberg anunciou a primeira contribuição para o Fundo Amazônia, no valor de US$ 130 milhões, em 2009. Até 2015, a Noruega deve doar US$ 1 bilhão para o Brasil (Saiba mais aqui). O primeiro-ministro já visitou o Rio de Janeiro e Brasília, onde se reuniu com o presidente Lula. Ele segue para Santarém, na Amazônia, acompanhado do Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, com o objetivo de conhecer mais sobre os desafios relacionados ao desenvolvimento sustentável e combate ao desmatamento.
Indígenas europeus
A população Sámi abrange quatro países: Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia. É um dos maiores grupos indígenas na Europa, totalizando o estimado entre 60.000 e 100.000 pessoas. As fontes tradicionais de sustento incluem a criação de animais, a caça e a pesca, a agricultura e o duodji, que é o artesanato indígena.
Durante a década de 1980, foram fundadas a Comissão de Direitos dos Sámi e a Comissão Cultural Sámi, bem como o Sámediggi, o Parlamento Sámi, cujas primeiras eleições realizaram-se em conjunto com as eleições para o Parlamento Norueguês (Stortinget), em 1989. O Parlamento Sámi é supranacional, tendo autonomia, influência e reconhecimento formal por parte dos estados nacionais. É a principal fonte de informação e diálogo com o governo norueguês e assumiu a responsabilidade por tarefas administrativas e pela implementação de medidas políticas em determinadas áreas, como a distribuição de fundos a organizações e para iniciativas culturais, econômicas e lingüísticas.
O diretor do Centro de Recursos para os Direitos dos Povos Indígenas, Magne Ove Varsi, conta que o Parlamento Sámi é a assembléia nacional dos povos, que trabalha para garantir o cumprimento dos direitos indígenas. Mas ainda há muito o que fazer: “Mesmo com todas as garantias que o povo Sámi já alcançou, ainda temos desafios a serem vencidos, como é o caso da autodeterminação, que ainda não está definida. Desde 2005 aguardamos o resultado do processo de aprovação e sabemos que isso ainda levará anos. Outro desafio é implementar efetivamente a declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, que é um instrumento essencial”.
Já para o presidente do Parlamento Sámi, Egil Olli, o grande desafio é a questão dos direitos à terra: “É preciso envolver os Sámi nas definições sobre como os recursos de nossas terras estão sendo e devem ser utilizados, pois temos direito, inclusive financeiros, nessa questão. A nossa expectativa com a visita ao Brasil é ver como esse tema é tratado na relação dos povos indígenas brasileiros”, ele diz.
Mais sobre o seminário de educação indígena
A tarde do primeiro dia do evento foi marcada pela apresentação e debate sobre as demandas do Movimento Indígena em relação ao ensino superior indígena (Coiab, Apoinme, Apin-Sul, Arpipan e Aty-Guasu). Houve, ainda, Festival de Cinema com apresentação do diretor do filme Sámi ”Kautokeino-upproret”, Nils Gaup.
Promovido pelo Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep), com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Embaixada da Noruega em Brasília, o seminário 'O Papel da Universidade e da Formação Acadêmica sob a Ótica das Lideranças e Acadêmicos Indígenas' vai até dia 18, no Centro Cultural de Brasília.
Confira a programação:
17/09 - quarta-feira
09:00 Recapitulação do dia anterior
09:30 Relatos das experiências dos alunos da Universidade de Brasília (UnB) Edilson Baniwa – mestrando em Linguistica
10:30 Relatos das experiências no ensino superior do Povo Shuar e Achuar do Equador
12:00 Almoço
14:00 Relatos das experiências no ensino superior do Povo Shuar e Achuar do Equador (continuação)
15:30 Relatos das experiências do povo Sámi da Noruega
18:00 Jantar
20:00 Festival de Cinema com obras da Vídeo nas Aldeias
18/09 - quinta-feira
09:00 Recapitulação do dia anterior
09:30 Relato das experiências dos alunos da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB); Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
11:00 Trabalho em Grupos*
12:00 Almoço
14:00 Trabalho em Grupos (continuação)
16:00 Apresentação e debate final
17:30 Cerimônia de encerramento seguido de jantar
20:00 Festival de Cinema com obras de Nils Gaup e Vídeo nas Aldeias
*temas dos trabalhos em grupo
Formação de Professores no Ensino Superior – Licenciatura.
Acesso e Permanencia dos Estudantes Indigenas no Ensino Superior.
Formação Superior de Indígenas e a relação com a Aldeia.
Currículo, Conteúdo e Competências no Ensino Superior.
Políticas Públicas para o Ensino Superior.
(Por Katiuscia Sotomayor, ISA, 18/09/2008)