A decisão da União Européia de diminuir o uso de biocombustíveis tradicionais pode preocupar países como o Brasil. A UE avalia as novas tecnologias, que podem ser mais lucrativas do que as de primeira geração. Num esforço para manter aceso o combate às mudanças climáticas e apaziguar ativistas ambientais que acusam a União Européia (UE) de hipocrisia, uma comissão de legisladores da UE aprovou, na semana passada, a diminuição de sua meta de uso dos tradicionais biocombustíveis a partir de vegetais na gasolina e no diesel.
O influente comitê industrial do Parlamento Europeu endossou a proposta da Comissão Européia de que, até 2020, 10% de todo o combustível usado no transporte terrestre deve originar-se de fontes renováveis, mas sugeriu que pelo menos 4% deverá ser fornecido através de eletricidade ou hidrogênio derivados de fontes renováveis e de biocombustíveis de segunda geração, que provêm principalmente de restos vegetais e algas. Isso implica que a taxa de biocombustíveis tradicionais feitos a partir de grãos e outros alimentos cairia para 6%. No momento, cerca de 3% do combustível consumido na Europa provêm de biocombustíveis.
Arrefecer um mercado cobiçado
A meta de 10% de combustíveis renováveis para automóveis foi motivo de crítica nos últimos meses. Os opositores argumentavam que os biocombustíveis de primeira geração, como o etanol, requeriam o plantio de colza e outras culturas, aumentando a devastação florestal e a falta de alimentos. A proposta da União Européia de misturar biocombustíveis de segunda geração e combustíveis de outras fontes renováveis pode ser uma resposta a problemas levantados por alguns ambientalistas, mas pode também criar problemas em outras áreas.
A indústria de biocombustíveis argumenta que tecnologias de segunda geração ainda estão muito distantes. Ela também afirmou que a eletricidade usada para abastecer carros elétricos poderia vir de usinas termelétricas a carvão prejudiciais ao meio ambiente. A redução da quantidade de biocombustível usado na UE também poderia arrefecer um mercado cobiçado por produtores de bioenergéticos, como o Brasil, a Malásia e a Indonésia, além de nações européias rurais.
Brasil compromissado com combustíveis de primeira geração
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, depois dos Estados Unidos. No entanto, é o único país com potencial de se tornar exportador devido a sua abundância de terra e à grande produtividade do etanol feito a partir da cana-de-açúcar, se comparado ao etanol proveniente do milho ou da beterraba, como nos EUA.
Conforme relatório da agência de análise e consultoria econômica RC Consultores, espera-se que a produção brasileira de etanol cresça de 22,3 bilhões de litros no ano passado para 50 bilhões de litros em 2015. O consumo, por outro lado, aumentará para 32 bilhões de litros anuais, o que deixaria uma sobra de 18 bilhões para exportar em 2015.
Em 2008, calcula-se que o país deverá exportar em torno de quatro bilhões de litros de etanol, acima dos 3,5 bilhões que exportou em 2007, mais especificamente para Estados Unidos, Europa, Japão e países do Caribe. O aumento da produção brasileira será o resultado do investimento de cerca de 25 bilhões de reais nos próximos anos no setor.
Efeitos da redução de uso de biocombustível
Mas quais serão os efeitos da redução do uso de biocombustíveis de primeira geração proposta pela UE nas projeções de exportação e para o Brasil como um todo? Almuth Ernsting, especialista da organização de monitoramento industrial Biofuelwatch, explicou que "o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar e de etanol de cana e seu governo tende a classificar cana-de-açúcar como 'produto não alimentar'. Por outro lado, o país também possui extensas monoculturas de eucalipto, que está freqüentemente relacionado à indústria do carvão e à indústria de polpa e papel".
A especialista acresceu que "se os biocombustíveis de segunda geração tornarem-se economicamente viáveis, então esses tipos de cultivos tendem a se expandir consideravelmente. Plantas de crescimento rápido em monoculturas nos trópicos, incluindo o eucalipto, serão possivelmente as preferidas para os biocombustíveis de segunda geração".
No entanto, as usinas de biocombustíveis existentes hoje no Brasil não poderiam produzir estes bioenergéticos de segunda geração. Isso requereria um tipo completamente diferente de usina, explicou. "Além disso, no momento, não há sinais de abandono de biocombustíveis tradicionais caso as tecnologias de segunda geração se tornarem disponíveis", disse Ernsting.
Hidrogênio molecular diretamente do sol e da água
A professora Eva-Mari Aro, especialista em fisiologia vegetal e biologia molecular na Universidade Turku, na Finlândia, disse acreditar que matérias-primas alternativas como algas unicelulares não prejudicariam economias que investiram na produção de biocombustíveis de primeira geração. Muitos países que lideram a produção de etanol terão, até mesmo, uma vantagem sobre os demais quando chegar a hora dos biocombustíveis de segunda geração, afirmou.
A característica mais promissora das algas capazes de produzir biomassa mais rapidamente e de forma mais eficiente do que plantas normais é que elas podem produzir hidrogênio molecular diretamente do sol e da água. "No futuro, quando a luz do sol for a principal fonte energética dos humanos, os países mais pobres terão algo que os mais ricos desejarão", afirmou a professora à DW-WORLD.DE.
(Por Nick Amies, Deutsche Welle, 18/09/2008)