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política agrícola brasileira agricultura intensiva passivos do agronegócio
2008-09-18

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) é a poderosa entidade que reúne o setor agrícola e pecuário do Brasil e que defende seus interesses. Nada mais necessário e justo. Mas chama muito a atenção o uso tosco de informações públicas sobre o uso da terra para justificar suas demandas que, por isso mesmo, deixam de ser justas e passam a ser manobras tendenciosas, para a manipulação de autoridades e do público desavisados. A mais escandalosa dessas manobras é, sem dúvida, a difusão de uma tabela, cujos dados foram inicialmente incluídos em documento oficial da CNA, onde se apontam as áreas para fins ambientais, indígenas e comunidades quilombolas, como fatores prejudiciais à expansão agrícola no Brasil.

O citado documento da CNA é o relatório: “Agropecuária Brasileira: Balanço e Perspectivas 2007-2008”. Nele está escrito que “A limitação de uso de áreas para fins ambientais, indígenas e comunidades quilombolas também pode ser apontada como um fator prejudicial à expansão produtiva no Brasil. As áreas de unidades de conservação ambiental já representam 115 milhões de hectares ou 13,5% do território nacional. Em áreas indígenas os números oficiais são de 109 milhões de hectares, enquanto o movimento quilombola passou a reivindicar outros 25 milhões, sem contar os 72 milhões de hectares destinados aos assentamentos da reforma agrária. Para efeito de comparação, a safra de grãos 2007/2008, que deverá ser recorde, utilizará apenas 47 milhões de hectares.”

A tabela que está sendo difundida separadamente pela SBS (Sociedade Brasileira de Silvicultura) reconhece que 25,9% do território nacional são utilizados pela pecuária (campos naturais e pastagens); a seguir atribui 13,5% como ocupados pelas unidades de conservação; 13% a “terras devolutas”; 12,5% a “áreas inexploradas disponíveis para a agricultura”; 12,4% a terras indígenas; 8,1% a “áreas de assentamentos rurais”; 5,5% a lavouras temporárias; 1,8% a lavouras permanentes; 2,4% a infra-estruturas e corpos de água; 0,7% a florestas cultivadas e 4,5% a “outros”.

A afirmação do relatório da CNA, assim como a sua conseqüente tabela é um exemplo clássico de tergiversação da realidade, onde se usa manhosamente informações em parte verdadeiras. Em primeiro lugar, na tabela se misturam categorias que não são compatíveis. Fala-se de uso da terra, mas se engloba como tais “terras devolutas”, “áreas indígenas” e “áreas de assentamento rural” que não refletem nenhuma forma particular de uso da terra. Podem, e de fato estão, pelo menos parcialmente, sendo usados para pecuária, agricultura e outros usos. É verdadeiramente escandaloso que a CNA não considere como de “uso agrícola” os assentamentos rurais. Que é isso senão agricultura e pecuária? O texto fala dos quilombos, mas na tabela do mesmo documento estes desaparecem. Será porque os quilombolas também são agricultores?

Números de disfarce
O caso das unidades de conservação, para as quais se atribui 13,5% do território, ocupando, pois o segundo lugar, logo após o da pecuária, extrapolando qualquer estimativa otimista sobre as mesmas, é quiçá o mais mentiroso dos dados. Mais de 60% das áreas das unidades de conservação do Brasil são de uso direto ou de “desenvolvimento sustentável”, das quais a categoria mais abundante em extensão é a de Área de Proteção Ambiental. Nela, como é muito bem conhecido, se pratica agricultura, pecuária e reflorestamento, sem maiores limitações. De outra parte, outras categorias de “unidades de conservação” são, também, abertas para a exploração florestal (as florestas nacionais e agora as reservas extrativistas, dentre outras) e assim mesmo, no caso das reservas extrativistas se pratica agricultura e pecuária, se bem que em pequena escala. Com a maior boa vontade possível é improvável que a superfície das unidades de conservação verdadeiras (parques, reservas biológicas e estações ecológicas federais, estaduais ou privadas) some sequer 5% do território nacional. Mais ainda, como ocorre com a situação fundiária de toda a Amazônia, a situação dos parques nacionais e de outras áreas protegidas é, também, desastrosa, pois carece de regularização de mais de 50% de sua totalidade em extensão territorial. Assim, de cara, os iniciais 13,5 % de unidades de conservação propalados pela CNA não chegam, na realidade, nem a 3% do território nacional.

Em resumo, é evidente que a CNA tenta disfarçar a realidade do uso agropecuário da terra que, levando em conta as falsetas, já ocupa uma porção muito considerável do território nacional, e demonstra de outro lado que a sua produtividade é em geral muito baixa. Ao invés de difundir um uso mais sensato da terra já abundante, mais produtivo e ao mesmo tempo ecologicamente mais correto dos recursos, esse relatório apenas agride outras formas de uso igualmente importantes e necessárias para o futuro da nação. É óbvio que a CNA apenas procura demonstrar que a agricultura intensiva, essa do agro business e das commodities transgênicas e altamente contaminantes, é uma pobre vítima da incompreensão de uma sociedade ingrata. Pior, quer justificar o se dispor ainda de mais espaço e liberdade para continuar destruindo as bases da produção sustentável de alimentos e de outros bens para os brasileiros de hoje e do futuro. E para isso, quer destruir o pouco que subsiste da biodiversidade nacional nas unidades de conservação verdadeiras e nas terras indígenas.

O que pretende a CNA, repetir, para todo o território nacional, o exemplo de São Paulo, que possui apenas cerca de 3% de sua extensão territorial em unidades de conservação de uso indireto dos recursos naturais e tem 70% das áreas cultivadas em seu interior com uma única cultura, a cana de açúcar?

Ora, porque defender apenas os interesses imediatistas e egoístas de um grupo de agricultores poderosos? A CNA deveria estar preocupada pela agricultura nacional em geral. Deveria incluir seus desafetos explícitos, como os índios e os quilombolas, assim como os que vivem nas “áreas de assentamentos rurais” e, também, todos aqueles que praticam pecuária extensiva, ocupando mais de um quarto da superfície do país. Deveria, além do mais, ao invés de fustigar a natureza, procurar a harmonia com a área ambiental de que tanto depende como qualquer ser humano razoável sabe ser necessário.

(Maria Tereza Jorge Pádua, OEco, 17/09/2008)


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