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patrimonio historico
2008-09-17

O confisco do patrimônio dos jesuítas, que antecedeu a expulsão da ordem religiosa do Brasil no século 18, não teve apenas grande impacto econômico para os cofres reais, mas também foi o ponto central de um amplo processo de reconfiguração do Estado português. Essa é a conclusão de uma nova pesquisa publicada na Revista Brasileira de História.

De acordo com o autor, Fabrício Lyrio Santos, professor de história do Brasil colonial na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, a expulsão dos jesuítas em 1759 não se dissocia do amplo conjunto de medidas que configuraram uma verdadeira reforma política do Estado português “a partir da qual as ordens religiosas e a Igreja foram levadas a assumir um novo papel na esfera pública e no corpo político do reino”.

“O confisco não atendeu apenas ao interesse econômico da coroa em relação à suposta riqueza acumulada pelos jesuítas. Ele está ligado ao pensamento político da época, representado por intelectuais que defendiam o fim da influência exercida pela Igreja sobre o Estado e a sociedade portuguesa”, disse Santos à Agência Fapesp.

O principal desses intelectuais, segundo Santos, foi o diplomata d. Luís da Cunha, que sugeriu, em seu Testamento Político (1749), a diminuição do patrimônio e da influência das ordens religiosas. De acordo com o pesquisador, o confisco se iniciou antes mesmo da expulsão ter sido decretada, em 3 de setembro de 1759.

“Em maio de 1758, o rei de Portugal, d. José 1º, decretou que todos os bens possuídos pelos jesuítas deveriam ser inventariados e investigados”, disse Santos. Essa medida, segundo ele, provavelmente foi tomada por sugestão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o mais importante ministro do reino, que depois se tornaria mais conhecido como marquês de Pombal.

“O principal objetivo do trabalho é mostrar que a expulsão dos jesuítas foi um processo complexo, que teve muitas fases, e que não se resumiu a um simples decreto promulgado em 1759. Mesmo porque seus desdobramentos se estenderam até pelo menos 1773, quando a Companhia de Jesus foi completamente extinta pelo Papa”, disse.

Santos analisou cartas régias, leis e alvarás, além de relatos históricos contemporâneos aos acontecimentos. Parte da documentação está no Arquivo Público da Bahia e uma outra parte está disponível no CD-ROM Projeto Resgate de Documentação Histórica, que reúne centenas de documentos manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino – a parte do projeto referente a São Paulo teve apoio da FAPESP.

O estudo mostra que o confisco antecede em pouco mais de um ano a expulsão dos jesuítas. E levanta fortes indícios de que “muito provavelmente haveria confisco mesmo se não houvesse expulsão”. Santos pondera que monarcas portugueses anteriores a d. José já haviam tentado confiscar, sem sucesso, o patrimônio jesuítico, mas que “a expulsão veio a calhar”.

“Não consegui avaliar, por completo, a dimensão do impacto econômico do confisco dos bens dos jesuítas, mas certamente foi algo importante para as receitas régias. Na Bahia, eles possuíam cinco engenhos, dois dos quais estavam entre os maiores engenhos daquela época, o Sergipe do Conde (no Recôncavo) e o Sant'Ana (em Ilhéus). Em Salvador, tinham 184 casas alugadas a terceiros”, disse.

Bens culturais

Se para os cofres portugueses o confisco foi significativo, também foi importante em termos culturais. Uma parte dos bens tinha valor muito mais cultural ou religioso do que propriamente econômico, segundo o estudo.

“Esse é o caso, por exemplo, das relíquias do padre Anchieta, remetidas a Lisboa no mesmo navio que conduziu os jesuítas para o exílio. Ninguém sabe onde foram parar as relíquias. Além disso, o confisco levou ao fechamento dos colégios jesuítas e, por conseqüência, condenou ao abandono suas respectivas bibliotecas e atividades educacionais.

De acordo com Santos, a questão econômica ocupou um papel de destaque no processo que levou à expulsão dos jesuítas. Entretanto, “não devemos considerá-la isoladamente, pois o problema do enriquecimento da Igreja, e particularmente das ordens religiosas e da Companhia de Jesus, tal como colocado no testamento político de d. Luís da Cunha e na legislação subseqüente, era também uma questão política, entendida como fundamental para a sustentação do Estado”, disse.

Para ler o artigo "A expulsão dos jesuítas da Bahia: aspectos econômicos", de Fabrício Lyrio Santos, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

(Por Alex Sander Alcântara, Agência Fapesp, 17/08/2008)


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