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biocombustíveis política ambiental da ue
2008-09-16

Não é incomum que Jan Henke veja-se em um jato, cruzando o Oceano Atlântico a 10 mil metros de altitude, em mais uma viagem da Alemanha ao Brasil. Ou à Argentina. Às vezes ele segue na direção inversa, indo para a Malásia ou para a Indonésia. Mas, assim que desembarca, o procedimento dele é geralmente o mesmo. Henke não perde muito tempo observando a paisagem ou hospedado nas cidades. Em vez disso, ele vai para o campo e caminha pela lama em mais um campo agrícola isolado em uma propriedade rural bem distante da Europa.

Henke é um consultor graduado da organização Sustentabilidade e Certificação de Carbono Internacionais (ISCC). Desde fevereiro o seu grupo gerencia um programa piloto para a Agência Alemã de Energia para determinar como exatamente os agricultores de todo o mundo plantam as suas lavouras. Henke está particularmente interessado em plantações de culturas como a cana-de-açúcar, a palmeira africana e até mesmo o milho.

E, caso a cultura em questão possa ser transformada em combustível para os tanques dos veículos europeus, Henke procura determinar como ela é cultivada, de forma que a sua organização seja capaz de criar regras que garantam que os métodos utilizados sejam ambientalmente sustentáveis.

"Estamos criando uma lista de critérios, e depois disso vamos a cada plantação para verificar se estas exigências estão sendo cumpridas. A idéia é verificar o que de fato pode ser feito na prática para saber se podemos controlar esses empreendimentos", disse Henke à "Spiegel Online". "Não queremos reinventar a roda, mas é necessário saber se esses critérios atendem às exigências do mercado europeu".

Porém, o projeto no qual Henke trabalha quase que equivale à reinvenção da roda. Pouco mais de um ano após a União Européia ter estabelecido metas concretas exigindo que até 2020 todo combustível vendido no bloco de 27 países contenha 10% de biocombustível - com uma meta intermediária de 5,75% até 2010 - a idéia de fabricar gás e diesel a partir de plantas está sob fogo cerrado. Alguns afirmam que a redução de emissões de dióxido de carbono - comparada aos combustíveis fósseis - está, na verdade, longe de ser suficiente. Outros observam que, com o desenvolvimento rápido de um mercado maciço, os agricultores nos trópicos estão derrubando florestas e drenando turfeiras - e liberando quantidades enormes de dióxido de carbono durante este processo - para obter lucro com esta onda de biocombustíveis. Outros ainda afirmam que o plantio maciço de lavouras para a produção de biocombustíveis significa menos terra disponível para o cultivo de alimentos, o que provoca o aumento do preço da comida.

"Os biocombustíveis seguirão em frente com ou sem nós"

Mas deve haver atalhos para se contornar essas barreiras substanciais na rota dos biocombustíveis. E se fosse possível garantir que todos os biocombustíveis que chegam aos tanques dos veículos europeus fossem socialmente e ambientalmente corretos e provocassem, de fato, uma redução das emissões de dióxido de carbono?

A idéia não chega a ser uma novidade. O Reino Unido vem trabalhando em um esquema de sustentabilidade deste tipo desde 2005 como parte de uma lei que torna obrigatório o uso de biocombustíveis. A Holanda também desenvolve um programa do gênero. E, quanto a Henke, ele trabalha em um projeto especificamente alemão.

No entanto, neste outono a União Européia está intensificando os esforços para a criação de um sistema próprio. Durante os últimos sete meses um grupo de trabalho da Comissão Européia vem elaborando uma estrutura desse tipo. O Parlamento Europeu também criou o seu próprio projeto, que na última quinta-feira foi encaminhado ao Comitê da Indústria, das Pesquisas e da Energia da organização, e que prevê um máximo de 6% de biocombustíveis produzidos a partir de grãos nos combustíveis para transporte. Os 4% restantes que estão previstos na meta do parlamento serão atendidos com eletricidade e hidrogênio produzidos a partir de fontes renováveis ou dos chamados biocombustíveis "de segunda geração". Em breve as duas organizações reunir-se-ão para ajustar os seus respectivos planos e elaborar um projeto final. Segundo pessoas envolvidas nesse processo, a França, que atualmente ocupa a presidência rotativa da União Européia, está pressionando para que se chegue a um acordo antes que o seu mandato expire, em dezembro.

"O debate tem sido muito difícil", afirmou a "Spiegel Online" um especialista que acompanha de perto as negociações da Comissão Européia.

"É preciso ter um esquema de sustentabilidade. Temos dito isso desde 2005. As pessoas percebem que os biocombustíveis seguirão em frente com ou sem nós".

Realmente, o fato de os biocombustíveis estarem seguindo em frente, com a continuidade do aumento explosivo da produção, é uma parte significante do problema. A União Européia estabeleceu pela primeira vez as metas para o uso dos biocombustíveis em 2003, como forma de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa - especialmente o dióxido de carbono - pelo bloco de nações européias. Cerca de um terço das emissões de dióxido de carbono é oriundo de automóveis e caminhões, e os biocombustíveis pareciam ser uma maneira promissora de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis sujos.

A Europa não está sozinha nessas iniciativas. Nos últimos anos, Washington tem investido dinheiro em qualquer um que construa uma fábrica para transformar milho e outros grãos em etanol. O Brasil há muito tempo supre uma porção significativa das suas necessidades de combustível com a cana-de-açúcar. A Alemanha transformou-se rapidamente no líder mundial na produção do biodiesel, um combustível produzido com o processamento de óleos saturados obtidos de plantas como a canola e a palmeira africana. Muita gente - incluindo os grupos ambientalistas - achou que os biocombustíveis bem que poderiam salvar o mundo.

Mas nos últimos anos começaram a surgir os relatórios sobre os biocombustíveis, e o conteúdo desses documentos não tem sido agradável:

Um relatório de dezembro de 2007, produzido conjuntamente pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD) e pelo Fórum Internacional de Transporte, revelou que o etanol produzido a partir do milho nos Estados Unidos pode proporcionar uma redução de apenas 10% das emissões de dióxido de carbono quando comparado à gasolina normal.

Em maio último, o Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas de Alimentos, em Washington D.C., estimou que até 30% do aumento drástico registrado recentemente no preço dos alimentos foi resultado do aumento da demanda por commodities agrícolas e terras cultiváveis criado pelos biocombustíveis.

Muitos relatórios descreveram como o boom dos biocombustíveis resultou na derrubada de florestas e na drenagem de turfeiras nos trópicos. Esses dois ecossistemas são valiosos não só devido à sua capacidade de armazenar carbono, mas também por razões vinculadas à questão da biodiversidade.

Um novo relatório divulgado em julho último pela OECD traz a conclusão de que, caso a União Européia, os Estados Unidos e o Canadá continuem promovendo os biocombustíveis da forma como fazem atualmente, em 2015 as emissões de gases causadores do efeito estufa nas nossas estradas serão apenas 0,8% inferiores ao índice que seria registrado caso não houvesse o apoio estatal a tais programas - subsídios que no ano de 2015 representarão US$ 25 bilhões.

"Existem inúmeros métodos mais eficientes de proteger o nosso clima do que apoiar a produção de biocombustíveis", disse Stefan Tangermann, diretor de Comércio e Agricultura da OECD, em uma declaração feita durante a apresentação do relatório. "A Europa e a América do Norte estão juntas nesse mesmo barco. E, agora, também juntos, os dois blocos deveriam abandonar esse projeto".

Na União Européia também existe um ceticismo crescente. Cientistas da Agência Ambiental Européia, que assessora a União Européia nas políticas para os biocombustíveis, retiraram o seu apoio ao projeto, e o Parlamento Europeu também manifesta suas dúvidas. Claude Turmes, parlamentar do Partido Verde de Luxemburgo na União Européia, e que foi em grande parte o responsável pelo desenvolvimento do plano de sustentabilidade do Parlamento Europeu baseado nos biocombustíveis, gostaria de ver a comissão abandonar as metas que foram estabelecidas.

Foi Turmes que, na última quinta-feira, elaborou o relatório apoiado pelo comitê parlamentar que marca um distanciamento do projeto de biocombustíveis produzidos a partir de culturas utilizadas para a alimentação. Ele disse recentemente a "Spiegel Online" que gostaria de livrar-se da meta para 2020 que prevê a utilização de 10% de biocombustíveis. Em vez disso, ele faz pressões pela adoção de uma meta de apenas 4%.

"A minha preferência é por 0%", declarou Turmes em uma entrevista por telefone. "Os elaboradores de políticas não podem cerrar os olhos diante dos fatos. O Parlamento Europeu está cada vez mais cético em relação aos biocombustíveis".

Mas Turmes está fazendo tudo o que está ao seu alcance para ajudar a estabelecer regras que garantam que os biocombustíveis que entram no mercado europeu compensem todos os problemas associados à sua produção.

Ele e os seus colegas do parlamento argumentam que qualquer plano de sustentabilidade precisa impor uma redução de gases causadores do efeito estufa maior do que os 30% propostos. Turmes gostaria de ver reduções compulsórias imediatas da ordem de 45% a 50% - com uma meta de 70% a 80% até 2015.

Porém, tais metas representam um desafio. O cálculo da redução das emissões de dióxido de carbono proporcionada pelos biocombustíveis leva em consideração toda a cadeia de produção. Se, por exemplo, uma cultura agrícola for cultivada com a ajuda de fertilizantes à base de óxido nitroso (o óxido nitroso é centenas de vezes mais prejudicial ao clima do que o dióxido de carbono), e a colheita processada em uma fábrica movida a carvão, a redução de emissões de dióxido de carbono será mínima ou inexistente. E a tecnologia necessária para a superação deste e de outros obstáculos é cara. O relatório de 2007 da OECD e do Fórum Internacional de Transporte observa que os subsídios governamentais aos biocombustíveis com o objetivo de aumentar a produção (como aqueles em vigor nos Estados Unidos), ou, por extensão, aqueles vinculados à exigência de uma mistura mínima de combustíveis fósseis e biocombustíveis - conhecida em inglês como "admixture" - (conforme ocorre na União Européia), poderiam encorajar a adoção de atalhos mais baratos no processo de produção, o que promoveria a utilização de biocombustíveis relativamente poluidores.

O local em que as lavouras são cultivadas também é um fator importante.

A exigência de admixture pela União Européia provocou uma espécie de corrida ao ouro na área dos biocombustíveis. Plantações de palmeiras africanas e de cana-de-açúcar estão se disseminando da Colômbia ao Vietnã, à medida que os agricultores procuram obter maiores lucros . E muitos dos campos de cultivo atualmente reservados para as matérias-primas dos biocombustíveis são frutos do desmatamento. As árvores são simplesmente queimadas. Outros campos, especialmente na Indonésia, ficam em áreas nas quais as turfeiras foram drenadas. Ambos os procedimentos liberam enormes quantidades de dióxido de carbono armazenado, e ao mesmo tempo destroem um valioso sistema de seqüestro de carbono - áreas que são naturalmente capazes de absorver dióxido de carbono da nossa atmosfera.

Criando um sistema de monitoração

O plano da União Européia inclui uma data para o término dessas práticas destrutivas. Atualmente, o prazo estabelecido é 2005. Os campos de cultivo criados com a derrubada de florestas ou drenagem de turfeiras após aquela data não receberiam o selo de aprovação da União Européia, enquanto que aqueles criados antes de 2005 seriam incluídos no programa.

Também seriam adotados critérios sociais para garantir que não fosse utilizado o trabalho infantil e que as normas sociais européias fossem respeitadas.

"Sendo assim, a questão é a seguinte: onde foi plantada a lavoura? É o agricultor que coloca um rótulo na produção afirmando de onde ela veio, com direito a latitude e longitude", disse o especialista envolvido nas discussões da comissão, e que pediu para não ser identificado porque o projeto ainda está em estágio de desenvolvimento. "Existe obviamente algum incentivo para que se trapaceie, mas a idéia é saber de onde está vindo a matéria-prima dos biocombustíveis".

Em suma, a idéia é criar um sistema segundo o qual, quando uma remessa de biocombustíveis ou de matérias-primas de biocombustíveis proveniente dos trópicos chegue à União Européia - as lavouras cultivadas nos trópicos apresentam uma produtividade de quatro a seis vezes maior do que a daquelas cultivadas nas regiões temperadas -, a organização saiba que ao usar esse combustível estará ajudando a reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa.

Tais sistemas de monitoramento já existem para outros produtos.

Madeiras, óleo de soja e óleo de palmeiras também são alvos de escrutínio para a identificação de sustentabilidade. De fato, muita gente argumenta que, em uma era de aumento da população global, elevação dos preços dos alimentos e maior pressão sobre as terras aráveis, é extremamente necessário um plano que englobe todos os produtos agrícolas - incluindo culturas destinadas à alimentação, como a batata, matérias-primas clássicas para a produção de biocombustíveis, como a canola, e aquelas que atendem às duas finalidades, como o milho.

Houve algum sucesso, mas a aplicação das regras é problemática. A União Européia não tem como enviar um exército de fiscais para se certificar de que uma pequena plantação de palmeiras na região de Mompox, na Colômbia, não está utilizando tratores emissores de poluentes e grandes quantidades de fertilizantes prejudiciais, eliminando desta maneira quaisquer benefícios derivados da redução das emissões de dióxido de carbono.

Porém, um problema conhecido como "vazamento" é uma questão bem mais grave. Se um agricultor decide trocar a sua plantação de alfaces por uma de cana-de-açúcar destinada à produção de etanol, o campo dele poderá obter facilmente uma certificação da União Européia. Mas e se o agricultor quiser continuar plantando alfaces, e, para isso, decidir abrir uma clareira em uma mata vizinha? Além do mais, com o aumento da demanda, os preços dos biocombustíveis sobem no mundo inteiro, o que significa que o agricultor poderá obter um bom lucro vendendo o seu produto não certificado para um país que não se importa com a origem desse material.

"Lidar com essas questões em um esquema de certificação não é uma tarefa fácil e provavelmente exige uma solução global", afirma Jan Henke, o especialista que faz pesquisas para a Agência Alemã de Energia. "Mas mesmo que o programa de biocombustíveis fosse suspenso, as demandas agrícolas continuariam crescendo. É necessário um sistema para controlar essa expansão, não só por causa dos biocombustíveis, mas por outros motivos também".

Algumas indivíduos que atuam na União Européia, como o parlamentar Turmes, chegaram à conclusão de que abandonar aquela que é chamada "a primeira geração de biocombustíveis - aqueles que competem diretamente com a produção de alimentos no que diz respeito a terras e lavouras - é a única solução para o problema, e a decisão tomada na última quinta-feira demonstra que ele conseguiu persuadir os seus colegas de parlamento a seguirem em tal direção. Novas tecnologias concentram-se na produção de biocombustíveis a partir de todos os tipos de resíduos biodegradáveis, restos de madeira, caules de milho que sobram após a colheita e outras plantas capazes de crescer onde as lavouras de alimentos não crescem.

Entretanto, serão necessários vários anos até que a "segunda geração de biocombustíveis" tenha um impacto significativo. E, nesse ínterim, a menos que a União Européia volte inteiramente as costas para os biocombustíveis, a única solução à vista continuará sendo a implementação de um regime de sustentabilidade. E, em um clima de críticas crescentes aos biocombustíveis, muitos dizem que tudo não passa de um jogo.

"Essa estrutura não funcionará", afirma Adrian Bebb, analista do grupo de fiscalização ambiental Friends of the Earth e editor de um recente relatório chamado "Sustainability as a Smokescreen" ("Sustentabilidade como uma Cortina de Fumaça"). "Muitos percebem que isso foi um erro - e um erro que tem grandes conseqüências. A União Européia simplesmente não pode sentar-se e agir como se tudo estivesse às mil maravilhas. A certificação é uma camuflagem que transmite a impressão de que tudo está bem, quando na verdade não está".

(Der Spiegel, UOL, 16/09/2008)


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