Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou um estudo mostrando que está ocorrendo um processo acelerado de elevação das temperaturas na Amazônia. Espera-se que, no futuro, as secas na Amazônia sejam mais freqüentes, e mais rigorosas.
Já existe, no senado, um projeto de lei que busca combater os efeitos da seca na região. Para falar sobre a questão do clima na maior floresta tropical do mundo, o site Amazônia.org.br entrevistou o pesquisador do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) Ricardo Dallarosa.
Dallarosa explica que os efeitos da seca na Amazônia podem se manifestar de diferentes maneiras, assumindo em alguns casos caráter universal, como no fornecimento de água, ou regional, como o abastecimento de algumas regiões. O pesquisador fala também do papel da Amazônia para o clima. "A floresta funciona como um "condicionador" atmosférico, que refrigera a atmosfera na região tropical enquanto a aquece nas latitudes médias".
Segundo Dallarosa, é preciso conhecer cada realidade local para elaborar planos específicos no combate aos efeitos da seca. "Os investimentos em pesquisa, por outro lado, podem trazer num curto prazo uma melhoria significativa no que diz a confiabilidade e precocidade das previsões desses fenômenos", diz.
Confira a entrevista abaixo.
Qual o papel da Amazônia no clima do Brasil?
Dallarosa - Para se entender o papel da Amazônia no clima do Brasil é preciso examinar o que representa a floresta tropical úmida para o clima localmente, e fazer uma reflexão extrapolando para a escala mais ampla, o que nem sempre pode ter a confiabilidade desejável. O ponto de partida é o significado da influência da floresta no balanço de energia à superfície. Dessas análises sobrevém a importância da floresta relativamente aos fluxos de massa (em especial o vapor d'água) e energia (calor) entre a superfície e a atmosfera. Medidas e estimativas realizadas mostram que a floresta funciona como um "condicionador" atmosférico, que refrigera a atmosfera na região tropical enquanto a aquece nas latitudes médias.
No primeiro caso (atmosfera tropical), a floresta age transformando grandes quantidades da energia solar em fluxo de calor latente (evapotranspiração) e evitando o aquecimento (calor sensível). Alguns trabalhos indicam que mais de 70% da radiação líquida disponível à superfície é consumida nesse primeiro processo (evapotranspiração) enquanto quase a totalidade da radiação restante (~30%) é utilizada no aquecimento da superfície (que aquece a atmosfera).
No segundo caso (atmosfera extratropical), grande parte do vapor d'água aqui produzido gera nuvens que são exportadas para latitudes extratropicais, onde se precipitam liberando na condensação o calor absorvido para tornar-se vapor (calor latente), o qual aquece a atmosfera nessas latitudes. Os outros tipos de superfície ou vegetação atuam diferentemente no balanço de energia transpirando menos e, portanto, determinando a destinação de maiores quantidades da energia disponível para o processo de aquecimento. Isso, evidentemente, altera as condições locais do clima produzindo temperaturas mais elevadas e menos umidade.
Em 2005 a Amazônia teve uma grande seca. Você acha que isso pode ocorrer novamente?
Dallarosa - Pensamos que sim. Todavia, como não se possui um histórico (série) de dados suficientemente extenso, não temos como examinar o período de recorrência desse evento e diagnosticar se suas causas foram naturais ou antropogênicas. Cabe lembrar, aqui, que o fenômeno teve como causa as expressivas anomalias positivas de temperatura da superfície do mar no Atlântico Tropical Norte (em especial no Golfo do México e Caribe) e que gerou a pior temporada de furacões já registrada pelos serviços de meteorologia dos EUA. A origem desse aquecimento permanece desconhecida.
Existe, no senado, um projeto de lei que procura combater os efeitos de secas na Amazônia. Na sua opinião, que tipo de medidas deveriam ser tomadas para combater esses efeitos?
Dallarosa - A questão é bastante complexa em virtude das diferentes realidades das comunidades amazônidas. Na Amazônia os efeitos de uma seca podem assumir um caráter universal, tal como o fornecimento de água para o saneamento básico ou tipicamente regional como o abastecimento de víveres e combustível para produção de energia, uma vez que os rios constituem as estradas na região. Dessa forma, os efeitos de uma possível seca na Amazônia podem produzir distintos cenários que precisam ser analisados separadamente em cada caso. As populações amazônicas (especialmente na Amazônia Ocidental) distribuem-se, via de regra, nas margens dos rios e deles dependem em grande parte. O mesmo já não ocorre na Amazônia Oriental onde os acessos às comunidades podem ser realizados através das estradas de rodagem. São exemplos de situações que merecem distintas abordagens.
Que medidas deveriam ser tomadas para evitar casos de seca na Amazônia?
Dallarosa - A seca, tal como as chuvas em excesso, não podem ser evitadas. O que se pode fazer é estar atento aos órgãos operacionais de meteorologia que atuam na área de previsão de tempo e clima para adotarmos uma ação proativa sempre que possível, antecipando-se aos efeitos adversos conhecidos que o fenômeno desencadeia em cada caso e minimizando-os. Para tanto, o conhecimento de cada realidade local deve orientar a elaboração de planos de contingência específicos segundo a situação prevista. Os investimentos em pesquisa, por outro lado, podem trazer num curto prazo uma melhoria significativa no que diz a confiabilidade e precocidade das previsões desses fenômenos.
No último dia 5 comemoramos o dia da Amazônia, e o site Amazônia.org perguntou para vários especialistas qual seria o presente ideal. Na sua opinião, qual seria o melhor presente para ela? Por quê?
Dallarosa - Um grande presente para a Amazônia em qualquer tempo deve contemplar, obrigatoriamente, as populações que nela vivem e que enfrentam um sem número de carências básicas. A população da região merece uma atenção especial, certamente maior do que aquela que é dada ao próprio ambiente. Acreditamos que o sentido maior da preservação tem de ser o próprio homem.
(Por Bruno Calixto, Amazonia.org.br, 15/09/2008)