Uma cena tão insólita como improvável surpreendeu os porto-alegrenses que transitavam pela Avenida Ipiranga, na tarde de ontem. Munidos de linha e anzol, dois moradores da Vila Bom Jesus capturavam jundiás e tilápias das águas poluídas do Arroio Dilúvio. E não eram peixes raquíticos, todos mediam pelo menos dois palmos de comprimento.
Os vizinhos Paulo Ricardo Roque e Lúcio Roberto Oliveira Cardoso, ambos de 34 anos, detectaram o cardume pelas borbulhas na lâmina do arroio, na altura do número 2.600 da Ipiranga, próximo ao cruzamento com a Rua Silva Só. Alguns peixes chegavam a saltar para fora da água. O mais provável é que tenham entrado com a última enchente, quando a caixa do Dilúvio se encheu, e não conseguiram voltar ao Guaíba.
Em duas horas e meia, Paulo Ricardo e Lúcio fisgaram 25 peixes, o suficiente para garantir o almoço e o jantar de hoje. Chegaram a devolver os mais miúdos às águas, tamanha a fartura que havia numa poça do arroio.
– A gente só leva os maiores – ressaltou Paulo Ricardo, pai de sete filhos.
Ambos serventes de obras, os dois vizinhos costumam pescar no Guaíba, às margens do Parque Marinha do Brasil. No entanto, depois das chuvaradas, quando as águas baixam, eles intuem que alguns peixes ficam retidos em buracos do Dilúvio. Então, pegam as bicicletas, as latas cheias de minhocas, os anzóis e percorrem a extensão do arroio, ao longo da Ipiranga, em busca de cardumes retardatários.
Lúcio carrega um engradado vazio na bicicleta, porque aproveita a viagem para recolher latinhas, garrafas pet e material reciclado. Pai de dois filhos, ele se vira como pode, pois está desempregado:
– Nós dois estamos sem trabalho. E temos filhos para criar.
Cuidados especiais antes de comer
Os pescadores ensinam como purificar os peixes. No caso do jundiá, eles tiram o couro, as vísceras, depois lavam a carne com água quente. Deixam o pescado de molho, temperado, para comer no dia seguinte.
Para o professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Albano Schwarzbold, a tática usada pelos pescadores faz sentido. O couro, segundo ele, é a parte dos animais que fica em maior contato com a poluição. Mesmo assim, desaconselha o consumo:
– Eu não comeria. Pode haver metais pesados na água, que se acumulam na gordura dos peixes.
(Por Nilson Mariano, Zero Hora, 16/09/2008)