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mata atlântica reflorestamento
2008-09-16

De pé ao lado do portão de uma silenciosa vila na Tijuca, bairro da zona norte carioca, uma jovem com duas meninas pequenas procura no interfone o número de sua casa. “Acabei de me mudar e não consigo descobrir onde está o 84 aqui”, diz. Gentilmente, ela cede sua vez e me deixa apertar a campainha de Maurício Ruiz, que voltou à capital depois de quase duas décadas morando no interior do Estado do Rio, em Miguel Pereira. Ruiz é uma espécie de garoto-prodígio do ambientalismo nacional. Aos 26 anos, ele tem uma década de história na conservação da Mata Atlântica. E já fez filho. Mais de um, conforme descobri nos 15 metros que separam o portão da vila da porta do rapaz. A gentil moça que encontrei na porta seguiu o mesmo caminho que eu.

Ela se chama Marcela e é casada com Ruiz, um rapaz de cabelos desgrenhados, barba por fazer e dono de um sorriso que não sai da sua boca. As duas meninas, Mel e Flor, são filhas do casal. A juventude estampada no rosto e físico dessa família não traduz o tamanho de sua experiência de vida. Ruiz é o secretário executivo da Ong Instituto Terra de Preservação Ambiental, que conduz um grande projeto de reflorestamento de nativas para conectar remanescentes florestais na região serrana fluminense. A Ong é o maior sinal de que Ruiz é um sujeito precoce. Ele a fundou em 1998, quando tinha apenas 15 anos. Para entender as escolhas de nosso personagem vale voltar no tempo, mais precisamente para 1991. “Até ali, eu era um garoto típico de apartamento, morava no 15º andar de um prédio na Tijuca”. Foi quando seus pais decidiram jogar a rotina estressante de lado para morar com Ruiz e Ana Terra, sua irmã, literalmente dentro da mata.

“Fomos para uma casa em Miguel Pereira, onde minha família vive até hoje, que tem duas árvores dentro”, recorda. Ainda naquele ano, Calico e Cecília voltaram para o Rio de Janeiro a fim de acelerar o processo de mudança para o interior, deixando Ruiz hospedado na casa de uma amiga, também encravada na floresta. Sob a inspiração de Wolverine, personagem dos X-Men que fez sua cabeça na infância apaixonada por histórias em quadrinhos, o garoto se embrenhou no meio da densa vegetação da Reserva Biológica do Tinguá e se sentiu como se nunca tivesse saído de lá. “Meus amigos também gostavam, foi um processo natural que esse apreço tenha se convertido em luta. Lá eu me achei. Na época eu nem sabia que era proibido andar nesse tipo de unidade de conservação”, conta.

Apesar de serem eminentemente urbanos, os pais de Ruiz sempre passaram valores de preservação ecológica para os dois filhos. No tempo de transição entre a vida corrida na metrópole e a pacata existência na serra, Calico era dono de uma produtora de cinema na Torre do Rio Sul, um dos endereços comerciais mais nobres do Rio de Janeiro. Foi por ela que, cinco anos depois, ele levou o caçula para uma viagem à Cuba e Amazônia com o intuito de produzir um documentário com o poeta Thiago de Melo, morador dos rincões da maior floresta tropical do planeta. “Aquela experiência foi um choque para mim. Eu achava que ali no entorno da reserva do Tinguá tinha bastante vegetação, e olha que eu sequer sabia que restavam apenas 7% da Mata Atlântica original. Mas quando olhei aquelas árvores da Amazônia, enormes, as maiores que já vi na vida, decidi que queria preservar a minha mata”, explica, referindo-se à Mata Atlântica.

Primeiros passos
Numa das noites da viagem, Ruiz puxou papo com Melo, que na ocasião escrevia poemas sobre a relação entre as florestas Amazônica e Atlântica para a Fundação O Boticário. Conversa vai, o garoto chegou onde queria: pedir a ajuda do poeta para conservar a vegetação que existia no entorno de sua casa, em Miguel Pereira. A resposta veio de bate-pronto: “Menino, volte para sua cidade, reúna os amigos e escreva um projeto. Me envie e eu coloco nas mãos do presidente da Fundação”. Em agosto de 1997, ele estava de volta com uma idéia na cabeça e dois amigos para ajudá-lo: Daltro Peixoto e Leonardo Marques.

No dia 7 de janeiro de 1998, depois de muita pesquisa sobre projetos, significado de uma Ong, consultas ao estatuto da única entidade da região e a preciosa ajuda do pai, Ruiz criou o Instituto Terra. Na época, ele tinha apenas 15 anos. “A verdade é que, até hoje, o único financiador para o qual ainda não enviamos o projeto foi para a Fundação O Boticário”, conta, aos risos. Decidido a promover o crescimento da instituição, o então adolescente resolveu estudar no Colégio Agrícola Nilo Peçanha, da Universidade Federal Fluminense. “Na minha visão simplória daquele momento, achava que o maior problema ambiental eram desmatadores e grandes proprietários de terra. Queria entender na prática como isso acontecia”, diz.

Situada a duas horas de Miguel Pereira, a escola põe à disposição dos alunos alojamentos para passarem a semana. Durante três temporadas, os sábados e domingos serviam para que Maurício e amigos realizassem ações de educação ecológica nas proximidades de Tinguá – uma forma de manter vivo o Instituto Terra, ainda bem pequeno àquela altura. Aos 18 anos, o rapaz alcançou a vida adulta como técnico em agropecuária formado e conhecido pelos colegas como o Che Guevara do Nilo Peçanha. “Aprendi muito lá, inclusive sobre mobilização. Promovia várias greves e denúncias contra o desmatamento lá dentro. Chamamos a imprensa diversas vezes”, conta.

Além do diploma, Maurício saiu da escola com Marcela, namorada que conheceu nas salas de aula. Pouco tempo depois, Marcela engravidou, acelerando não só os planos para um casamento como a vontade de impulsionar as atividades do instituto. Mel nasceu em 2001, junto com os primeiros grandes projetos da Ong. Assoberbado de trabalho, Ruiz ainda chegou a iniciar a faculdade de Relações Internacionais no Rio de Janeiro. Terminar esse curso e conseguir o diploma foi, aliás, uma das razões que trouxeram Ruiz de volta à capital. A outra tem a ver com o crescimento das atividades do Instituto Terra. O Rio lhe dá mais mobilidade para se deslocar para reuniões em que discute os projetos atuais e futuros da Ong.

Unanimidade
O Instituto Terra conta com 12 funcionários fixos e diversos parceiros, alguns tão grandes como Fundo Nacional para o Meio Ambiente, Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro, Associação Mico-Leão Dourado, SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional. Essas entidades só tem elogios para o trabalho de Ruiz, também responsável pelas negociações de patrocínios. “Ele é, sem dúvida, um futuro líder do movimento ambientalista. Isso é ótimo, porque precisamos formar novas lideranças, jovens interessados e com capacidade para defender a causa ambiental”, diz Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da SOS Mata Atlântica.

Ivana Lomas, da Conservação Internacional, é outra que prevê um futuro brilhante para o ambientalista, um dos vencedores do Prêmio Empreendedor Social de 2007, realizado pela Folha de S. Paulo em parceria com a Fundação Schwab. Segundo ela, Ruiz é um rapaz competente, envolvido e entusiasmado com tudo. “Apoiamos um projeto pequeno de fortalecimento institucional do Instituto Terra e isso acabou tomando uma dimensão muito grande porque ele aproveitou bem os recursos. Ele também disse que esse pequeno apoio foi fundamental para mudar a escala de atuação da Ong. O rapaz já discute com grandes instituições e governo”, diz.

O projeto capitaneado pelo jovem conservacionista tem, hoje, duas áreas de abrangência: o corredor de biodiversidade Tinguá-Bocaina e a região metropolitana do Rio de Janeiro. Nesta, o centro de atuação é principalmente na Baixada Fluminense, com um programa de agricultura familiar nas faixas dos dutos da Petrobrás. Agora, a menina dos olhos de Ruiz é o corredor.  Ele firmou uma parceria com o Instituto Chico Mendes e o Instituto Estadual de Florestas para levar adiante a sua constituição, inclusive fazendo a proposta de criação de um parque no Sul do estado. Ele foi criado há 2 meses com o nome de Parque Estadual Cunhambebe, junto a uma Área de Proteção Ambiental no Alto Piraí, de onde sai a água para o Rio de Janeiro, onde Ruiz trabalha junto com proprietários rurais para criar oito Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).

“Faltam apenas as RPPN's. E também estamos elaborando um banco de dados para restaurar os recursos naturais, visitando propriedade por propriedade para ver quem tem interesse em fazer projetos de preservação. Além disso, há um programa de pagamento por serviços florestais, a primeira experiência no estado desse tipo de remuneração”, conta Ruiz. Esse programa deve contemplar cerca de 5 mil hectares ainda este ano, pulando para 15 mil hectares em 2009.

Queda da árvore
Nos últimos tempos, uma das maiores realizações do Instituto Terra foi a criação de Cunhambebe. Assim que o atual presidente do IEF, André Ilha, entrou para o governo, o ativista bateu em sua porta e apresentou o projeto para a formação de um parque com 15 mil hectares na região sul do estado fluminense. Diante da dúvida de André, que preferia implementar as unidades de conservação já existentes, Ruiz garantiu que levantaria os recursos necessários. Cumpriu a promessa, despertando o interesse do então Secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio, Carlos Minc, que sabe muito bem aproveitar uma idéia alheia, desde que ela renda ibope. Minc a transformou em prioridade máxima de sua gestão.

Ilha, o chefe do Instituto Estadual de Florestas, conta que nem uma perna quebrada impediu Ruiz de batalhar em favor do Cunhambebe. “Ele ficou de cama,  mas não parou de trabalhar em nenhum momento. Esta é uma forma de mostrar a motivação dele”. Ruiz estava preso ao leito por conta de, digamos, uma estrepolia no meio da mata em Miguel Pereira. No início desse ano, brincando com um amigo nas florestas do município, ele decidiu subir em uma árvore para catar uma orquídea que estava quase caindo. O galho cedeu e Ruiz caiu de uma altura de sete metros. Além da perna quebrada, ele ainda teve uma embolia pulmonar. Foram oito dias seguidos na UTI e um longo tempo de recuperação, que só deve terminar dentro de um ano.

“O pior de tudo é que foi logo na época da criação do Cunhambebe. Todos os envolvidos faziam sobrevôos de helicópteros, levantamentos, o ápice de nosso trabalho, e eu tinha que ficar na cama, vendo os vídeos que eles traziam”, brinca. Arrependimentos à parte, os planos do garoto que ajudou a reflorestar mais de 180 mil hectares de Mata Atlântica, a fazer o projeto de gerenciamento costeiro da Baía de Guanabara e a tornar real o sonho de ligar os fragmentos florestais da Reserva Biológica de Tinguá ao Parque Nacional de Bocaina são ambiciosos: trabalhar com política

“Eu acho que a sustentabilidade é uma decisão política. Não é um problema tecnológico. Os cientistas têm bastante informação para desenvolver sem gerar tanto impacto. A decisão está parada na esfera política. O futuro da humanidade é uma decisão política”, diz. Ele completa com o argumento de que pretende convencer André Ilha a dividir a gestão de Cunhambebe com o Instituto Terra. Não aceitará, por exemplo, se a sua Ong for chamada pelo governo para fazer o plano de manejo da unidade, já que crê nas ferramentas de gestão do Poder Público. O que falta, segundo ele, é a gestão, na prática. E isso pode também ser um papel desempenhado pela sociedade civil, em parceria com o estado.

Para Denise Rambaldi, secretária-geral da Associação Mico-Leão Dourado, a estrutura para entrar na diplomacia ambiental já nasceu com Ruiz. “Ele gosta de trabalhar em parceria, construir redes, formar alianças. Isso é muito importante”, diz. Agora estabelecido na Tijuca, de volta às origens, Maurício não estará tão perto da vida selvagem quanto esteve em Miguel Pereira. Mas, de dentro da agradável vila que escolheu para morar com Marcela, Mel e a pequena Flor, de um ano, pretende comandar uma verdadeira revolução nos alicerces ambientais da sociedade.

(Por Felipe Lobo, OEco, 15/09/2008)


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