Quando os europeus começaram a chegar à Nova Zelândia, trouxeram consigo plantas exóticas - espécies agrícolas, plantas ornamentais e sementes clandestinas. Hoje, 22 mil espécies de plantas não nativas crescem na Nova Zelândia. A maioria delas consegue sobreviver apenas com o cuidado amoroso de jardineiros e fazendeiros. Mas 2.069 tornaram-se naturalizadas: elas se espalharam por toda a ilha por conta própria. Há mais plantas invasoras naturalizadas na Nova Zelândia do que espécies nativas.
Isso soa como um desastre ecológico: uma epidemia de espécies invasoras que varre as delicadas espécies nativas que encontram pelo caminho. Mas num estudo publicado em agosto no jornal "The Proceedings of the National Academy of Sciences", Dov Sax, um ecólogo da Universidade de Brown, Santa Bárbara, afirma que a invasão não levou à extinção em massa das plantas nativas. O número de extinções documentadas de espécies de plantas nativas da Nova Zelândia atinge um total de apenas três.
As espécies exóticas recebem muita atenção e geram muita preocupação. Alguns cientistas consideram que as invasões biológicas estão entre os dois principais motivos (de três) que levam à extinção das espécies. Mas Sax, Gaines e vários outros pesquisadores argumentam que as opiniões em relação às espécies exóticas são simplistas demais. Apesar de algumas invasões serem de fato devastadoras, elas normalmente não desencadeiam a extinção. Elas podem até mesmo incentivar a evolução de nova diversidade.
"Detesto o discurso as 'exóticas são más', porque isso não é nada científico", disse Sax. Sax e seus colegas discordam de muitos outros especialistas em espécies invasoras. Seus rivais argumentam que a velocidade com que as espécies são movidas pelo planeta, combinada com outros tipos de estresse no meio-ambiente, tem um impacto muito grande.
Resta pouca dúvida de que algumas espécies invasoras levaram espécies nativas à extinção. Mas Sax argumenta que elas se comportam muito mais como competidoras do que como predadoras. Em seu novo trabalho, Sax e Gaines analisam todas as extinções de vertebrados documentadas que foram atribuídas a espécies invasoras. Quatro quintos dessas extinções aconteceram por causa da introdução de predadores como raposas, gatos e ratos. A perca do Nilo [espécie de peixe] foi introduzida no Lago Vitória em 1954 para a alimentação humana. Mas então ela começou a comer os peixes nativos, acabando com eles.
"Se você pode comer alguma coisa, pode comê-la onde quer que ela viva", disse Sax. Mas Sax e Gaines argumentam que há poucos indícios de que a competição das espécies exóticas cause extinção. Essa descoberta é contrária aos conceitos tradicionais de ecologia, diz Sax. Acreditava-se que os ecossistemas tinham um número determinado de nichos que as espécies poderiam ocupar. Uma vez que os nichos de um ecossistema estivessem cheios, as novas espécies poderiam ocupá-los apenas se as espécies antigas fossem extintas.
Mas quando um ecossistema real aceita espécies exóticas, não mostram nenhum sinal de estar saturado, diz Sax. No estudo, Sax e Gaines analisam o aumento de espécies exóticas em seis ilhas e arquipélagos. As plantas invasoras se naturalizaram num ritmo constante durante os dois últimos séculos, sem nenhum sinal de desaceleração. De fato, a diversidade total dessas ilhas dobrou.
Os peixes também demonstram esse padrão, diz James Brown da Universidade do Novo México. Ele disse que sempre que visita um rio onde peixes exóticos foram introduzidos, pergunta: "Você viu se os peixes nativos foram extintos?" "A primeira resposta que você recebe é: 'Ainda não", como se a extinção dos nativos fosse uma conseqüência inevitável. Há uma crença forte de que o efeito final é negativo."
Brown não acredita que essa crença seja fundamentada. No Havaí, por exemplo, 40 novas espécies de peixes de água doce se estabeleceram, e as cinco espécies nativas ainda estão presentes. Brown e seus colegas reconhecem que as espécies invasoras podem expulsar as espécies nativas para fora de boa parte de seu território. Mas argumenta que as espécies nativas não são extintas, porque elas competem melhor do que as espécies invasoras em alguns refúgios.
Esses cientistas também apontam para o fato de que as espécies exóticas podem incentivar a evolução de nova diversidade. Uma planta da América do Norte chamada Spartina alterniflora foi introduzida na Inglaterra no século 19, onde cruzou com a nativa Spartina maritima. O cruzamento das duas gerou um híbrido que não conseguia se reproduzir com nenhum das espécies originais, dando origem uma nova espécie chamada Spartina anglica.
Muito antes que os humanos transportassem as plantas pelo mundo, muitas delas geravam novas espécies por esse processo de hibridização. "Algo como um terço das espécies de plantas que vemos hoje se formaram dessa maneira", diz Sax.
As invasões biológicas também desencadearam ondas de seleção natural. O pardal (Passer domesticus), por exemplo, vieram da Europa para a América do Norte e se espalhou por todo o continente. "A seleção natural começará a transformá-los", diz Sax. "Se dermos tempo suficiente ao processo, eles se tornarão novas espécies.
"E as espécies nativas por sua vez também devem começar a se adaptar", acrescenta Sax. Algumas das evoluções mais rápidas que já foram documentadas aconteceram com espécies nativas que se adaptaram às exóticas. Algumas populações de insetos (soapberry bugs) da Flórida, por exemplo, deixaram de se alimentar de uma planta nativa, o balãozinho (Cardiospermum halicacabum), para comer outra espécie (Koelreuteria paniculata), vinda da Ásia e introduzida por paisagistas nos anos 50. Em cinco décadas, as sementes da nova planta, que são menores, levaram ao desenvolvimento de bocas menores nos insetos, juntamente com uma série de outras mudanças.
Na Austrália, a introdução do sapo-cururu (Bufo marinus) nos anos 30 também levou à evolução dos animais nativos. "Agora existem sapos cururu na Austrália, o que é uma grande vantagem para as cobras que se alimentam deles", diz Mark Vellend, da Universidade British Columbia.
Os sapos cururu são protegidos por toxinas poderosas em sua pele que podem matar os predadores que tentarem comê-los. Mas em algumas partes do país onde os sapos vivem agora, existem cobras negras resistentes às toxinas. Nas regiões em que o sapo não chegou, as cobras ainda estão vulneráveis.
Brown argumenta que os registros fósseis também não demonstram grandes efeitos negativos das invasões de espécies. "Então vemos muitas e muitas e muitas vezes que esse não é o caso", diz ele. As espécies invadiram novos habitats quando as passagens entre os oceanos se abriram ou quando os continentes colidiram. "O padrão geral é quase sempre um aumento substancial de diversidade", diz Brown. "Isso parece acontecer porque essas comunidades de espécies não preenchem completamente todos os nichos. Então as espécies exóticas podem se encaixar."
Num estudo recente publicado na revista Science, Peter Roopnarine da Academia de Ciências da Califórnia e Geerat Vermeij da Universidade da Califória em Davis, observaram a história de invasões de espécies de moluscos, um grupo que inclui mexilhões e caramujos. Cerca de 3,5 milhões de anos atrás, os moluscos do Pacífico Norte fizeram uma grande invasão no Atlântico Norte. Antes disso, o Oceano Ártico criava uma barreira, por que os moluscos não conseguiam sobreviver nas águas escuras e pobres em nutrientes sob o gelo.
Um período de aquecimento global tornou o Ártico menos proibitivo. Ainda assim a migração não levou a uma queda significativa na diversidade dos moluscos nativos do Atlântico. Em vez disso, a diversidade do Atlântico aumentou. Além das novas espécies exóticas, outras espécies podem ter surgido por hibridização.
O Oceano Ártico está se aquecendo de novo, dessa vez por causa da atividade humana. Projeções feitas por computador indicam que ele ficará sem gelo durante pelo menos parte do ano em 2050. Roopnarine e Vermeij acreditam que os moluscos de hoje farão a mesma jornada transoceânica que fizeram há 3,5 milhões de anos. Eles também esperam que a invasão aumente, ao invés de diminuir, a diversidade.
Mas os críticos, incluindo Anthony Ricciardi da Universidade McGill em Montreal, argumentam que as invasões biológicas de hoje são essencialmente diferentes daquelas do passado. "O que está acontecendo agora é uma mudança global enorme", diz Ricciardi.
"Invasões e extinções sempre aconteceram, mas com a influência humana as espécies estão sendo transportadas com mais rapidez do que nunca e para áreas remotas que jamais poderiam atingir. Não teríamos 35 mamíferos europeus na Nova Zelândia pelos mecanismos naturais. Eles não seriam capazes de pular de uma ponta do mundo para a outra por si só."
Estima-se que os humanos movimentem sete mil espécies por dia. Nesse processo, as espécies são jogadas em combinações que nunca foram vistas. "Estamos vendo a formação de novas cadeias alimentares", diz Phill Cassey, da Universidade de Birmingham na Inglaterra. Essas novas combinações podem permitir que as invasões biológicas levem à extinção de espécies de formas inesperadas.
O botulismo, por exemplo, está matando dezenas de milhares de pássaros em torno dos Grandes Lagos. Estudos indicam que duas espécies invasoras detonaram o surto. O molusco Dreissena bugensis, introduzido da Ucrânia, filtra a água para obter alimento, deixando-a mais clara. A luz do sol que penetra nos lagos fez com que as algas florescessem, e as algas mortas desencadearam uma explosão de bactérias consumidoras de oxigênio. Conforme o nível de oxigênio cai, a bactéria causadora do botulismo se multiplica. Os moluscos capturam a bactéria, e por sua vez servem de alimento para outra espécie invasora: um peixe conhecido como Neogobius melanostomus. Quando os pássaros comem os peixes, são infectados e morrem.
"Se você colocar mais espécies, você não apenas aumenta a probabilidade de que uma invasora tenha um grande impacto", diz Ricciardi. "Você também tem a possibilidade de que algumas espécies detonem uma mudança nas regras de existência." Ricciardi argumenta que as invasões biológicas são diferentes hoje por outra razão: elas acontecem à medida que os seres humanos imprimem outros tipos de estresse sobre os ecossistemas. "As invasoras irão interagir com a mudança climática e a perda de habitat", diz ele. "Vamos ver algumas sinergias que não foram antecipadas."
Os dois lados concordam, entretanto, que as decisões sobre espécies invasoras deveriam ser baseadas em algo mais além da quantidade de efeitos positivos e negativos sobre a diversidade. Pragas invasoras podem tornar mais difícil cultivar alimentos e pastagens, por exemplo. O besouro de chifre longo asiático (Anoplophora glabripennis) está infestando florestas dos Estados Unidos e deverá danificar milhões de acres de árvores. Os moluscos zebra entupiram os sistemas de fornecimento de água no meio oeste Americano. Espécies exóticas também podem prejudicar a saúde humana. "O vírus do Nilo, a influenza - todos esses são invasões", diz Ricciardi.
Por outro lado, algumas espécies invasoras são muito importantes. Nos Estados Unidos, muitas plantações são polinizadas por abelhas melíferas originalmente vindas da Europa. "Não é que isso seja de todo bom ou de todo mau, e não tenho certeza se a ciência deve ser o árbitro da questão", diz Brown. "Julgar essas coisas é o trabalho da sociedade como um todo."
(Por Carl Zimmer, NYT, UOL, 14/09/2008)