A tendência nacional à banalização revela-se na facilidade com que nos referimos a qualquer problema como estratégico. A velha esquerda costumava esconder sua ideologia na proposta de solução de qualquer problema sacralizando-o como estratégico, cuja decodificação era que ele só podia ser resolvido pelo Estado. Existem problemas cuja solução condiciona de tal forma o desenrolar do futuro, que são as hipóteses sobre este (que os deuses se comprazem em esconder) a determinar: o futuro, selecionado precária e probabilisticamente, determina a solução presente. Esta visa aplicar com eficácia os recursos ou as condições favoráveis desfrutadas para alcançar o objetivo determinado. Na História, como na Teoria do Caos, as condições iniciais de onde partimos acabam determinando aonde chegaremos.
O problema do pré-sal é daqueles que exigem, efetivamente, uma solução estratégica. Trata-se de um bônus da natureza do fator ubíquo e não renovável, necessário à produção de bens e serviços com a tecnologia que criamos à sua volta. Temos de usá-lo, portanto, com cuidado, parcimônia e inteligência.
Ao fim de 2007, nossas reservas provadas de petróleo eram da ordem de 12,6 bilhões de barris, qualquer coisa como 1% das mundiais. Em 1997, somavam 7,1 bilhões de barris e seu crescimento tem sido de cerca de 5,9% ao ano, com a produção aumentando, no mesmo período, em 7,8%, nada muito animador para um país que precisa crescer vigorosamente, porque em 2030 terá 240 milhões de habitantes e precisaremos dar emprego decente a 150 milhões entre 15 e 65 anos.
Há poucos meses, o presidente da ANP, Haroldo Lima, foi objeto das mais graves recriminações do mercado por ter revelado o que há oito anos era público: que havia a suspeita de substanciais depósitos de petróleo na camada do pré-sal. De fato, no United States Geological Survey de 2000 já se lê sobre o Brasil: reserva atual 9 bilhões de barris; e recursos não descobertos, de 55 bilhões de barris. E se o US Geological Survey continua confiável, existe ainda substancial volume de petróleo não descoberto no Irã, na Rússia, no Iraque, na Arábia Saudita, nos EUA e na Nigéria. As reservas mundiais provadas cresceram 1,5% ao ano entre 1997 e 2007.
Nos últimos oito anos, o trabalho da Petrobras e das empresas nacionais e estrangeiras que entraram no setor depois da abertura do mercado autorizada pela lei de 1997, confirmaram a suspeita no caso brasileiro. Há mesmo petróleo no pré-sal (já extraído em Jubarte em condições menos hostis). Há uma estimativa ainda precária para Tupi de 8 bilhões (dois terços das reservas provadas atuais). E, à boca pequena, técnicos conservadores e responsáveis dizem que podemos ter qualquer coisa entre 50 bilhões e 80 bilhões de barris.
Esperemos o melhor resultado possível, mas dentro desse intervalo a nova descoberta vai permitir ao Brasil superar – a partir de 2012 ou 2014 e durante uma geração pelo menos – o aparecimento de um dos dois gargalos que no passado abortaram nosso crescimento: a crise energética e/ou a crise no financiamento dos déficits acumulados no setor externo. É pouco provável, entretanto, que a melhor solução para o nosso desenvolvimento social e econômico seja o País tornar-se um importante exportador de petróleo ou meter-se no cartel das mãos sujas.
A tecnologia que nos séculos XIX e XX nos trouxe da Idade da Pedra à da Informática é baseada na energia produzida pelo petróleo. Seu uso menos nobre é no transporte (cerca de 60%). Nos usos de maior nobreza, a refinação produz os insumos para toda sorte de indústrias (desde a geração de energia elétrica até a química) e é fundamental para o aumento da produtividade agrícola. A continuação do desenvolvimento tecnológico, estimulado pelo aumento dos preços do petróleo, deve acelerar sua substituição no transporte pelos combustíveis renováveis (etanol e biodiesel de todos os matizes) e pelo aperfeiçoamento de novos tipos de motores. No caso dos usos mais nobres, a probabilidade de grande substituição é consideravelmente menor, mesmo quando se pensa uma geração à frente.
Como o volume da Terra é finito, é claro que o volume de petróleo (descoberto e a descobrir) também é finito. Não há certeza, entretanto, se sua produção começa a desacelerar nos próximos 10 ou 15 anos, como se lê na maioria das previsões. O que parece certo é que o custo marginal de extração continuará a aumentar e que, portanto, o próprio mercado vai estimular, cada vez mais, seu uso para os destinos dos seus refinados mais nobres. Isso abrirá uma boa janela de oportunidades para a indústria e o emprego no Brasil.
(Por Delfim Netto, OEco, 12/09/2008)