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energia nuclear no brasil lixo radioativo angra 3
2008-09-15

Na véspera do 21º aniversário do acidente com o Césio-137 em Goiânia, um triste marco da insegurança nuclear no Brasil, o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) reafirma seu repúdio ao Programa Nuclear Brasileiro.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem anunciando, à revelia da sociedade e do Congresso Nacional e em flagrante desrespeito à democracia e à Constituição Federal, o licenciamento ambiental de Angra 3, acordos binacionais com a Argentina para fabricação de combustível nuclear, novos investimentos públicos em pesquisas de enriquecimento de urânio e metas de ampliar a mineração de urânio, bem como a construção de pelo menos outras quatro usinas nucleares no país.

Com o seu programa nuclear, o Brasil acelera na contramão do desenvolvimento sustentável investindo nessa fonte cara, insegura e suja de energia. O orçamento para a construção de Angra 3 é estimado em pelo menos R$ 7,3 bilhões e a usina apresenta custos de geração maiores do que a hidroeletricidade e geração eólica. A conta do governo tampouco inclui recurso financeiro real para o descomissionamento das usinas nucleares após o término de sua vida útil, que é de cerca de 40 anos, ou mesmo para o gerenciamento futuro dos rejeitos radioativos.

Usinas nucleares são perigosas, como comprovam o triste legado do acidente de Chernobyl e os recentes incidentes e vazamentos de urânio na França, país de amplo parque atômico, demonstrando as graves perdas humanas, físicas e financeiras e evidenciando os seus riscos incalculáveis e inaceitáveis. No caso da usina Angra 3, o plano de emergência previsto se torna inexeqüível para o caso de sinistro já que não considera, entre outros fatores, o alto índice de crescimento da população de Angra dos Reis, na casa de 5,9 % ao ano. Vale lembrar ainda que as usinas de Angra 1 e Angra 2 estão construídas sobre a areia, em terreno instável, e não foram incluídos dispositivos de segurança relacionados aos riscos de elevação do nível do mar, conforme cenários apresentados em 2007 pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Tampouco existe planejamento do governo federal sobre a capacidade de suporte para a região de Angra dos Reis absorver o fluxo migratório conseqüente das obras planejadas de Angra 3.

O ciclo de vida da energia nuclear gera impactos ambientais e riscos desde a mineração do urânio até o armazenamento do lixo radioativo. A mineração e beneficiamento de urânio em Caetité (BA), de onde sai o concentrado de urânio que abastece as usinas nucleares de Angra dos Reis opera há 8 anos sob forte rejeição da população local, junto à ocorrência de acidentes, vazamentos e licenças controversas. Com a construção de Angra 3, o setor nuclear planeja dobrar a capacidade produtiva da mina baiana e já se mobiliza para iniciar a exploração de urânio em Santa Quitéria (CE). Assim, quanto maior a demanda por combustível nuclear, maiores os impactos sociais e ambientais da mineração e maior a freqüência de transportes de materiais nucleares que atravessam áreas densamente povoadas.

O lixo radioativo resultante da geração nuclear continua a ser um grande problema sem solução. Como não existe tecnologia definitiva, os rejeitos precisam ser armazenados em depósitos e controlados por milhares de anos, criando grande pressão sobre a estrutura de Estado, além de enormes custos financeiros que serão eternamente repassados aos contribuintes. O lixo de alta radioatividade de Angra 1 e 2 continua a ser estocado dentro do próprio vaso do reator, o que aumenta ainda mais o risco potencial da operação. Ao exigir, na licença prévia de Angra 3, uma solução definitiva para o lixo radioativo, o Ibama transformou em condicionante uma questão que deveria ter sido equacionada durante o Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento. Resta agora saber como a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a Eletronuclear responderão ao prazo de 60 dias estipulado pelo presidente Lula em reunião com 11 ministros em 18 de agosto passado para definição do destino dos rejeitos de Angra 3, e apresentar uma solução que não foi encontrada em nenhum lugar do mundo durante toda a história da energia nuclear.

Desde o primeiro mandato do governo Lula, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) funciona de forma ilegítima, sem a devida nomeação de cidadão brasileiro especialista em energia e que teria direito a voto, conforme previsto em regimento. Exigimos a democratização imediata do CNPE para permitir um debate minimamente transparente sobre o planejamento energético brasileiro. É fundamental, ainda, que se cumpram as Resoluções nº 5 de 2001 e nº 8 de 2002 do CNPE, assim como a Moção nº 31 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que ressalta que a avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento Angra 3 só será possível mediante realização dos procedimentos do licenciamento ambiental previstos na legislação.

Criticamos a proposta de criação de uma comissão de especialistas argentinos e brasileiros - o Comitê Binacional de Energia Nuclear (Coben) - para desenvolver um modelo de reator nuclear de geração de energia elétrica, assim como a criação de uma empresa binacional de enriquecimento de urânio. A cooperação com a Argentina e os demais países do MERCOSUL e da América Latina deve fortalecer o desenvolvimento e a transferência de tecnologias para energias renováveis, reafirmando o compromisso de uma plataforma de 10% de energias renováveis na matriz energética regional.

Questionamos a visão expressada em reunião do recém-convocado Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, de que haveria consenso no governo de que a energia nuclear deve ganhar mais importância na matriz energética brasileira. As usinas de Angra 1 e Angra 2, juntas, respondem por menos de 2% da eletricidade gerada no Brasil. Construir novas usinas nucleares não afasta o medo de um novo apagão, estimulado através de informações errôneas sobre o potencial energético do Brasil, já que muito provavelmente não seriam concluídas antes de 2020 e teriam participação pouco significativa na matriz nacional. Não podemos, tampouco, comparar o Brasil em termos de recursos naturais com relação a outros países que utilizam esta fonte para gerar energia.

O governo brasileiro não pode continuar ignorando o enorme potencial da eficiência energética e das fontes renováveis de energia, tais como a eólica, a biomassa e a solar e Pequenas Centrais Hidrelétricas, desde que sejam respeitadas todas as salvaguardas socioambientais que garantam a sustentabilidade de tais empreendimentos.

Em Goiânia, o acidente com o Césio-137, elemento altamente radioativo, ocorreu no dia 13 de setembro de 1987, quando um aparelho utilizado em radioterapias foi furtado das instalações de um hospital abandonado. O instrumento roubado foi desmontado e repassado para terceiros, gerando um rastro de contaminação. Matou, até hoje, 60 pessoas, causando doenças como câncer de tiróide e de pulmões em dezenas de outras e contaminando mais de 6mil vidas, segundo a Associação de Vítimas do Césio -137. As vitimas do acidente lutam até hoje por amparo e reconhecimento apropriados.

O aniversário do acidente de Goiânia deve ser um momento de reflexão. A sociedade brasileira não quer e não precisa conviver com ameaças nucleares e depósitos de lixo radioativo. O Brasil é renovável.

(Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento -FBOMS*, 12/09/2008)
*Texto recebidio por e-mail


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