Índios caingangues da reserva Aldeia da Várzea fizeram professores reféns ontem no norte do Estado – ou melhor, alardearam terem mantido sob controle um grupo de cinco educadores durante quase todo o dia. No interior de Liberato Salzano, no norte do Estado, posaram para fotos com lanças apontadas aos mestres da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Francisco Kajeró. Só que os dois grupos que pareciam estar em confronto concordavam com o motivo do protesto.
Amanifestação criticava as más condições e a situação de abandono da escola da aldeia. Os forros dependurados e um refeitório improvisado em um galpão com chão batido eram a razão do descontentamento. Para sugerir a imagem de força, os professores foram amarrados um ao outro pela cintura, e os indígenas mantinham lanças próximas a eles.
Mas o que parecia um confronto entre os dois grupos se mostrou um pedido de socorro conjunto. Sem fotógrafos por perto, as lanças eram baixadas, e a cuia de chimarrão circulava entre os índios que cuidavam dos supostos reféns. Porta-voz do grupo de educadores, a diretora da escola, Nely Maria dos Santos, 51 anos – seis deles na aldeia –, falava calmamente com um dos líderes dos caingangues com freqüência. A conversa era monitorada pelos indígenas, mas quando pôde falar com a imprensa, a professora não pediu socorro. Pediu melhorias.
– Nós temos de ficar aqui até que se tome uma medida. Mas precisamos de mais espaço físico. Se tivermos que posar, eles (índios) terão de ficar acordados para nos vigiar – disse.
O clima era tão tranqüilo no cárcere que os professores tiveram tempo de fazer um cartaz. Em caligrafia caprichada em um papel pardo exposto próximo ao grupo, lia-se: “Será que não merecemos 100% de difícil acesso?”. Aproveitando-se da presença da imprensa, e esperançosos de que alguém da Secretaria Estadual da Educação (SEC) pudesse aparecer, os professores usaram o momento para pedir o acréscimo salarial a que o funcionário público tem direito por trabalhar em locais de difícil acesso.
Mesmo liberados, reféns decidiram dormir na aldeia
Se o clima parecia amistoso à tarde, pela manhã a situação era mais tensa. Nas primeiras horas em que os professores foram amarrados, a RBS TV gravou imagens de nervosismo. Professoras chegaram a chorar quando teriam sido surpreendidas pelos indígenas.
Para liberar os professores, que moram em Rodeio Bonito, os caingangues queriam um representante da SEC no local com a intenção de tratar de melhorias na escola. O representante não apareceu. A chuva que começou a cair no início da noite fez com que os educadores decidissem passar a noite na aldeia. Não porque fossem obrigados – os caingangues já tinham liberado o grupo –, mas é comum passarem a noite no local quando o mau tempo dificulta a volta para casa. As aulas de hoje devem ocorrer normalmente.
(Por Leandro Belles, Zero Hora, 12/09/2008)