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reservas extrativistas áreas protegidas
2008-09-12

A Justiça de Rondônia determinou em decisão liminar que madeireiros e seringueiros fiquem impedidos de degradar o meio ambiente, construir estradas, movimentar maquinário ou retirar madeira de dentro da Reserva Extrativista Estadual Pacaás Novos, encravada no meio de um mosaico de áreas protegidas que formam o maior corredor ainda conservado de Rondônia. A Justiça acatou uma ação movida pelos ministérios públicos federal e estadual, que denunciou acordos irregulares entre a associação de seringueiros Primavera e a empresa Marcol Indústria e Comércio Ltda. Ao puxar o fio da meada, acabou incluindo no banco dos réus o governo de Rondônia, o Ibama, o Instituto Chico Mendes, a Funai e o Incra.

A 2ª Promotoria de Justiça de Guajará-Mirim investigou durante um ano e meio uma parceria entre as lideranças seringueiras da reserva e a madeireira Marcol e descobriu que em vez do uso comunitário dos recursos naturais, a associação firmou acordo para explorar madeira em escala empresarial na unidade de conservação, criada em 1995 com 342 mil hectares. A boa notícia é que a exploração ainda não aconteceu concretamente e a intervenção judicial pode virar exemplo para frear outros casos em que o governo de Rondônia tem incentivado abertamente que a indústria madeireira explore predatoriamente as florestas dentro de unidades de conservação.

No caso da Reserva Extrativista Pacaás Novos, o promotor Pedro Abi Eçab, do MPE de Guajará-Mirim, crê que seja possível impedir a exploração madeireira em larga escala, já que a instalação de uma serraria ainda não ocorreu, muito embora alguns impactos já estejam consumados, como a abertura de estradas no interior da unidade de conservação, assim como a retirada de árvores para ampliar a navegação dos rios da região. “Além do aspecto social, a vida de operários [da serraria] gerará lixo no interior da unidade de conservação, o transporte de madeira do rio Pacaás Novos em pesadas embarcações visando o escoamento rodoviário certamente acarretará impacto na delicada flora e fauna subaquáticas. Estes são apenas alguns aspectos que, a primeira vista, saltam aos olhos e que não foram objeto de análise pela Sedam [Secretaria do Estado do Desenvolvimento Ambiental]”, diz a decisão do juiz federal substituto Flavio da Silva Andrade.

Promessas de dinheiro
De acordo com a ação, a Sedam não fechou os olhos apenas para esses detalhes, mas permitiu o aproveitamento dos recursos naturais abundantes dentro da unidade de conservação, o que não é compatível com costumes e bases socioeconômicas das populações tradicionais, tampouco com o uso sustentável dos patrimônio natural. Isso, infelizmente, parece ter se tornado uma prática na secretaria.

O MPE em Guajará-Mirim obteve documentos que provam que “a Sedam suspendeu em fevereiro de 2007 o plano de manejo da reserva extrativista estadual Rio Cautário (que era executado de forma comunitária) e promoveu reuniões com a Associação Aguapé (que representa a população tradicional daquela unidade de conservação) com a finalidade de ‘discussão de parceria com a associação do madeireiro e do sindicato’”. E não fica nisso. De acordo com a ação da promotoria, representantes da secretaria do meio ambiente haviam falado àquela comunidade sobre o “interesse do governador Ivo Cassol e do secretário Augustinho Pastore em melhorar a vida dos moradores da reserva extrativista do Rio Cautário mediante a parceria entre governo, moradores e empresários, havendo empenho do governo em disponibilizar de imediato 10 mil hectares para a Aguapé em parceria com o sindicato dos madeireiros para se realizar planos de manejo florestal”. O projeto, segundo a ação, prometia a cada família 75 mil reais.

Para mostrar quão discrepantes se tornaram os interesses da direção da associação e da madeireira em relação ao da existência da reserva extrativista, no dia 13 de agosto de 2003, a associação dos seringueiros firmou contrato de compra e venda de madeira com a madeireira Marcol. De acordo com informações do processo, a empresa antecipou 277 mil reais à associação como pagamento pela venda de 28 mil metros cúbicos de madeira. A associação Primavera, em troca, obrigou-se a emitir notas promissórias em garantia do dinheiro antecipado. “Este endividamento inicia-se em agosto de 2003, ou seja, antes da aprovação do empreendimento pela comunidade, o que implica dizer que a manifestação de vontade da mesma certamente foi influenciada”, diz a liminar. Somente após essa negociação, o plano de manejo saiu, em 2004, bancado pela associação, em vez de ser feito pelo órgão gestor do governo estadual. O licenciamento da Sedam, que sacramentou a operação ilícita, veio ainda depois.

Outras falhas
Apesar de a reserva extrativista Pacaás Novos estar localizada na zona de amortecimento da reserva extrativista federal Barreiro das Antas e do Parque Nacional da Serra da Cutia, o Instituto Chico Mendes não interveio no licenciamento de exploração madeireira na faixa de dez quilômetros das unidades de conservação. O juiz considerou ainda que “sendo o licenciamento ambiental de esfera federal responsabilidade do Ibama, sua manifestação é igualmente obrigatória”, diz a liminar.

A promotoria de Justiça explica que por causa de atrasos na regularização fundiária da reserva extrativista, cujas terras pertencem ainda ao Incra, a população residente até hoje não tem contrato de concessão real de uso da área, embora tenha assegurado seu direito de posse. São detalhes mínimos, mas que representam parte de uma cadeia de irregularidades, uma vez que o documento é pré-requisito para a obtenção de licença para exploração madeireira, concedida irregularmente pelo governo de Rondônia.

A Justiça entendeu também que o direito à informação das populações tradicionais da reserva extrativista foi violado porque a investigação do MPE mostrou que as decisões acerca da opção pela exploração madeireira partiram de uma minoria ligada à direção da associação de seringueiros Primavera, que além da reserva extrativista Pacaás Novos, representa a população da reserva extrativista federal Barreiro das Antas. Isso fica claro quando a ação civil pública do MPE cita um relatório da WWF-Brasil de 2005, na época interessada em diagnosticar a situação do manejo florestal comunitário nas reservas extrativistas estaduais de Rondônia. Segundo a ação do MPE, a WWF concluiu que os moradores da reserva extrativistas foram mal informados sobre projetos de manejo, decididos pela associação Primavera.

Essa constatação, no entanto, veio depois que a ONG conheceu os efeitos do estímulo à exploração supostamente racional dos recursos florestais nas reservas extrativistas. O promotor Pedro Abi Eçab conta que a WWF-Brasil já tentou incentivar os seringueiros a instalar serrarias nas reservas extrativistas, acreditando que pudessem fazer exploração sustentável dos recursos naturais, de forma comunitária. “Ocorre que o capitalismo selvagem da Amazônia não comporta tal tipo de iniciativa, pois o produto (madeira) oferecido pelos madeireiros, em virtude de práticas predatórias, possui custo imediato muito mais vantajoso”, explica Eçab. A WWF-Brasil foi contactada para comentar os trabalhos realizados junto aos seringueiros de Rondônia, mas até o fechamento desta edição não encontrou representantes para responder à reportagem. Para o promotor, o que está em jogo é a validade do estabelecimento de reservas extrativistas no contexto atual. “O futuro deste modelo demanda profunda reflexão”, comenta Eçab.

Agora, a Sedam tem 20 dias para tomar as providências necessárias e suspender o projeto de manejo florestal que autorizou para a reserva extrativista, assim como quaisquer outras licenças para a unidade de conservação até que o Incra resolva os problemas fundiários da área. A liminar convoca ainda o Ibama, o Batalhão de Polícia Ambiental e a própria secretaria para fiscalizar a região, apreender equipamentos e embargar serrarias dentro da reserva extrativista. A Funai também foi intimada a se manifestar porque a área da reserva extrativista é pleiteada por índios que habitam a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. O juiz fixou multa diária de cinco mil reais em caso de descumprimento.

(Por Andreia Fanzeres, OEco, 11/09/2008)


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