Hoje, no Dia do Cerrado, o clima está mais para velório do que para festejos. O bioma tem o título de "caixa d´água" do Brasil, pois nele nascem os rios São Francisco, Jaguaribe, Parnaíba, Tocantins, Araguaia, Xingu, Madeira e os formadores do Paraguai, entre outros. Com isso, mais de 90% da população brasileira depende da energia gerada pelas águas do Cerrado.
Fora isso, o bioma abriga pelo menos 30% da biodiversidade brasileira, sendo 44% das espécies endêmicas – ou seja, que só ocorrem nele.
Nada disso tem sido, porém, suficiente para sensibilizar o Parlamento brasileiro a desempacar a Proposta de Emenda Constitucional 115/95, que transforma o Cerrado em patrimônio nacional, o que já acontece com a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, assim reconhecidos pela Constituição Brasileira.
A chamada “PEC do Cerrado” tramita há 13 anos no Congresso e, enquanto a boa intenção estagna no marasmo, toda essa riqueza natural vai, aceleradamente, sendo devastada. Pelos cálculos do Movimento Cerrado Vivo, 70% do bioma já foi destruído. Dos 30% restantes, apenas 5% constituem áreas suficientemente grandes para manter a biodiversidade e os outros 25% tendem a desaparecer.
O Movimento fará hoje uma “manifestação pacífica”, convidando os participantes a vestirem-se de amarelo, em prol da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 115/95. A concentração começa às 15h, na rampa do Congresso Nacional. A idéia é entregar aos deputados listas de assinaturas pedindo que se concretize essa proteção, colocando o ponto de final numa demora inadmissível.
Ainda conforme o “Cerrado Vivo”, o ritmo de devastação no bioma é três vezes maior do que o da Amazônia, da ordem de 3 milhões de hectares/ano. Mas apenas 2% de sua área é preservada por lei.
O que se evoca dessa incoerência é o de sempre: poder econômico. Exemplo: em maio de 2005, o Núcleo de Operações Aéreas do Ibama percorreu as regiões sudoeste e oeste da Bahia, levando técnicos dos Governos do Estado e Federal. Verificou com isso 1.200 focos de desmatamento e dez mil fornos alimentados com madeira nativa em um raio de 183 mil km2.
De acordo com o relatório da missão, foi constatado que 70% da produção de carvão era clandestina e que sua quase totalidade era destinada às siderúrgicas de Minas Gerais, que transformam minério de ferro em ferro-gusa.
Da Bahia para o Piauí, o quadro mantém-se desolador. No dia 22 passado, O deputado Paes Landim (PTB-PI) chamou a atenção para o risco de destruição do cerrado piauiense pelo fogo, em especial nas proximidades de Bom Jesus e Curimatá, cidades no interior do estado, o que ele qualificou de verdadeira marcha da insensatez e devastação. “Queimadas de extração de carvão vegetal estão destruindo o nosso cerrado, o que irá provocar um grande deserto no futuro daquela região pela morte de nossos rios e de nossas matas virgens”, ressaltou, conforme reportagem da Agência Câmara.
Landim defendeu a criação de uma Vara Federal em São Raimundo Nonato, nas proximidades do Parque Nacional da Serra da Capivara e do Parque Nacional da Serra das Confusões. Com essa providência, argumenta, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal estariam presentes na região e teriam condições de proteger o bioma. O procedimento é emergencial, mas desnecessário se a PEC do Cerrado virar enfim realidade.
Serra VermelhaUm mesmo drama - onde o protagonista também é o carvão vegetal - vem colocando sob grave ameaça a Serra Vermelha, também no Piauí, tida como região de transição entre três ecossistemas – Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica.
Estudos realizados pelo Ministério do Meio Ambiente, na gestão de Marina Silva, apontaram para a necessidade de proteger a área com a criação de um Parque Nacional. Por isso, a comunidade ambientalista reagiu indignada ao pedido do governador do Piauí, Wellington Dias, ao atual ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para que não concretize a Unidade de Conservação, já batizada de Parque Nacional Serra Vermelha.
O local, além de rico do ponto de vista biológico, encontra-se em avançado processo de desertificação. “Nesse caso, com tantas irregularidades e ameaças ao futuro daquela região, parece loucura querer deixar os interesses econômicos se sobreporem aos ambientais”, disse Francisco Soares, presidente da ONG Fundação Rio Parnaíba (Furpa), à jornalista Tânia Martins, em reportagem para o site da Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida).
A crítica do ambientalista tem endereço certo: a empresa JB Carbon, acusada de vir transformando em carvão a última floresta do semi-árido nordestino, de aproximadamente 300 mil hectares. A empresa nega, diz que faz manejo sustentável, mas, com a repercussão dada ao projeto, o Ibama mandou suspendê-lo e a Procuradoria da República entrou com uma Ação Civil Pública para acabar de vez com ele.
O clamor público agora é que o ministro Minc banque a proposta do Parque Nacional, de modo a impedir que esta ou outras empresas transformem literalmente aqueles ecossistemas em fumaça.
O carvão vegetal é também um vilão contra o Cerrado no Mato Grosso do Sul, conforme AmbienteBrasil mostrou na reportagem EXCLUSIVO: Manifestação no MS vai protestar contra uso de carvão produzido a partir de matas nativas pelas siderúrgicas.
A matéria foi publicada há pouco mais de um ano, em agosto de 2007. De lá para cá, muito pouco foi feito para diminuir o ritmo da devastação.
(Por Mônica Pinto /
AmbienteBrasil, 11/09/2008)