Os recentes casos de mortandade de abelhas vem preocupando principalmente os pequenos produtores no Rio Grande do Sul. Neste ano, já foram registradas três grandes mortandades. No entanto, o engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro afirma que a morte do inseto vem ocorrendo há décadas.
Na entrevista a seguir, o agrônomo lembra que os gaúchos já chegaram a ser responsáveis por 25% do mel produzido no país. Hoje, não passa dos 11%. Além dos agrotóxicos, Sebastião aponta as sementes transgênicas e a falta de interesse em estudar o assunto como os principais causadores do extermínio das abelhas.
O que vem causando a mortandade de abelhas no Rio Grande do Sul?
Pinheiro - Na verdade, esses assuntos de mortandade de abelhas não são situações novas. No passado, o Rio Grande do Sul representava mais de 25% de todo o mel produzido no Brasil. Quando começa a chamada agricultura moderna, o RS começa a cair assustadoramente a sua produção e, hoje, podemos ver que o Estado não tem mais aquela produção que tinha de mel. Isso se deve ao uso intensivo de venenos na agricultura e uma série de problemas, como devastação da natureza. O que está acontecendo, agora, é reflexo de um passado recente. Não muito distante, há uns 20 anos atrás, aqui no Brasil, o Ministério da Agricultura permitia que um veneno agrícola extremamente tóxico para abelhas fosse misturado para ser aplicado com melaça. A melaça contém um alto índice de açúcar e é uma das coisas mais atrativas para a abelha. Então, nós tivemos no passado uma destruição muito grande de colméias por esse tipo de veneno. Hoje, sabemos que ainda existe um desrespeito muito grande, principalmente, na época de inverno porque existe escassez de pólen e de néctar e as abelhas ficam obrigadas a buscar aquele pólen e néctar em lavouras que, muitas vezes, são tratadas com venenos agrícolas sem levar em conta a sua toxicidade para as abelhas. Isso tem sido uma constante e nós vamos ter a obrigação de tomar atitudes para evitar esse prejuízo, porque não é um prejuízo só para o dono das colméias, é um prejuízo para a agricultura e para todos. Albert Einstein disse que, no dia que as abelhas desaparecessem, a humanidade desapareceria nos meses seguintes, em função da importância que as abelhas têm para a produção de alimentos, para a fecundação das folhas, flores e posterior colheita. Cada cultivo depende em porcentagem muito grande de importância dessas abelhas. O que nós devemos fazer, hoje, é procurar saber o que está acontecendo com as abelhas.
De quanto foi a queda na produção de mel do Estado, desde que iniciaram os casos de morte de abelhas?
Pinheiro - Na década de 40, o Rio Grande do Sul chegou a produzir 50% de todo o mel brasileiro. Hoje, podemos dizer que o Estado não produz 11% do mel nacional, que está sendo produzido mais em Piauí, Pernambuco, Santa Catarina ainda tem um pouquinho de mel, em função da fruticultura e o Rio Grande do Sul caiu muitíssimo. Há cerca de 20 anos atrás, um agricultor de Uruguaiana perdeu cerca de 200 colméias e ele foi no Ministério da Agricultura pedindo que analisassem as colméias dele para saber o que era. Nós analisamos e a empresa, que era naquela época, a Union Carbide, tentou, através daqueles mecanismos de suborno, cooptação para que aquilo não fosse adiante. Nós tentamos ajudar o agricultor de todas as maneiras, através do CREA, mas sabe como é, num país onde existe a Ditadura, que estava a cima de tudo, era muito difícil fazer alguma coisa para enfrentar aquela canalhice. Hoje, estamos um tanto quanto afastados dos laboratórios de análises, porque o que tentamos fazer foi trazer consciência e, onde existe uma imprensa, que não é honesta nem competente, não se pode construir consciência em lugar nenhum.
Em outras partes do mundo também ocorre a mortandade de abelhas? Como pode ser evitada?
Pinheiro - Nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália, na última década, gigantescas campanhas e gastos públicos foram feitos porque começou a surgir uma série de doenças atacando as abelhas de forma inusitada. Uns dizem a AIDS das abelhas, outros dizem que as abelhas estão sendo destruídas pelo seu sistema imunológico. O que nós devemos perceber é que existe uma grande agressão contra as abelhas, através de produtos químicos agrícolas – venenos antigos, pólen das sementes transgênicas que começam a provocar os danos. Existe uma proteína tóxica chamada barnase, típica dos cultivos de plantas transgênicas, resistentes ao BP, plantas criadas por transgeniana e isso tudo não está sendo estudado, por quê? Por uma cooptação dos meios de imprensa, por uma ordem internacional que não permite que as grandes companhias tenham prejuízo nos seus interesses e obrigam que os estados fiquem subordinados a elas. Essas três razões são razões para que nós nos preocupemos bastante com esse assunto e exijamos que esses assuntos sejam tratados com mais seriedade dentro de um contesto nacional, estadual e municipal.
Qual país é exemplo para o Brasil no trato com as abelhas?
Pinheiro - A Alemanha tem uma lei desde a década de 70 para proteger suas abelhas, que era uma das leis mais fortes e exigentes do mundo. Quase todos os países centrais ou países sérios procuraram copiar a legislação alemã. Nós, aqui, fizemos ao contrário. Na década de 80, tinha uma lei muito séria sobre o registro de produtos para abelhas e, hoje, não existe nada disso. Existe um faz de conta e ninguém dá maior importância a isso. No entanto, a atividade de apicultura no Brasil, na Argentina, é extremamente importante, não só porque é a produção que ela garante, também é uma mão de obra e um segmento da economia bastante avançado, principalmente em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
O imidacloprido foi recentemente banido de países europeus, mas ainda é utilizado no Brasil. Essa substância pode estar colaborando na mortandade das abelhas?
Pinheiro - É um fungicida bastante utilizado no Rio Grande do Sul e deveria ser mais controlado as horas de aplicação dele para evitar danos. Principalmente as abelhas européias têm horário de vôo e, na Europa e nos Estados Unidos, na hora em que as abelhas estão camperiando, recolhendo o néctar e o pólen, não é permitido aplicar esses venenos. Com isso, se sanearia muito o problema, mas aqui, falar sobre isso é ser ecologista, reacionário, contra o progresso. Então, a jumência nacional não permite que se trate desses assuntos com seriedade.
Na última mortandade de abelhas registrada em Barra do Rio Azul, a Emater supõe que a causa seja o uso de formicidas. O senhor avalia que essa é a verdadeira causa?
Pinheiro - Estão protegendo uma empresa e punindo os donos das abelhas que deveriam buscar defender os seus interesses. Então, acontece que passa o tempo, a pessoa não tem as análises, o juiz, ao sabor da lei, não tem culpa, mas vai ser julgado aquilo que está no processo. O maior problema que temos é esse compadrio que existe entre as empresas de agrotóxicos, as cooperativas, os órgãos públicos federais, estaduais e municipais e agregando a tudo isso uma ignorância total.
O uso de agrotóxico é a solução para acabar com a presença de formigas em excesso, como ocorreu em Barra do Rio Azul?
Pinheiro - Sempre que uma formiga surge, esse é um campo novo e muito bonito, quem estuda isso é a biologia, aqui, no Brasil, ainda não vi ninguém falar sobre isso. Mas, geralmente, aqui, o pessoal quer matar formiga e não estudar formiga, apesar que no Brasil existem muitas. Existe uma ciência tecnológica chamada herbívora, que se dedica a estudar as relações entre as formigas e o ambiente onde elas se alimentam. Nós percebemos que uma formiga ataca uma planta quando ela está em desequilíbrio nutricional. Ou seja, a formiga não ataca gratuitamente uma espécie vegetal. Ela percebe que o vegetal está em desequilíbrio energético e, aí sim, ataca. O ideal é que se prepare, a partir desse ataque, um estudo para melhorar o solo, de energia, de nutrição dessas plantas e evitar o ataque. Não é feito assim, porque, no Brasil, não só a extensão rural, como a academia é subsidiada e subvencionada pelos interesses maiores de políticos e administradores no executivo, e legisladores para que seja utilizado o veneno. Nós deveríamos ter, como em outros países, um controle para evitar o desequilíbrio para evitar de usar o veneno. Mas o interesse aqui é que se gaste bastante veneno, se tenha bastante câncer, se provoque bastante devastação, porque isso faz crescer o PIB, a economia e toda a realidade nacional.
É possível praticar uma agricultura sem agrotóxico?
Pinheiro - Hoje, a União Européia promove uma agricultura sem uso de veneno. Isso cresce assustadoramente. As próprias ONG’s subsidiadas pelos interesses das grandes empresas propõem uma agricultura sem uso de venenos. Nós deveríamos produzir com qualidade, no entanto, vemos alguns arremedos de propostas, fazendo de conta que estão fazendo agricultura orgânica, vivendo da bondade dos europeus ou dos norte-americanos e mantendo os interesses dos grandes conglomerados dos organismos multilateral, tipo FAO, etc. Sim, na verdade construir uma alternativa ao uso de venenos, porque quem alimenta toda essa gente de ONG, na verdade, são dinheiros desviados em caixa dois das grandes empresas de veneno. E ai, fica muito difícil lutar contra essa realidade.
(Por Paula Cassandra, Agência Chasque, 10/09/2008)