Com a sua produção de etanol, um combustível fabricado a partir da cana-de-açúcar, uma planta da qual ele é segundo maior produtor mundial, o Brasil ofusca os seus vizinhos latino-americanos. Contudo, também nesses países a corrida em busca dos biocombustíveis vem se transformando numa realidade cada vez mais gritante. A organização não-governamental Friends of the Earth (Amigos da Terra) publicou, na quarta-feira, 10 de setembro, um relatório no qual ela apresenta um panorama detalhado desta nova situação regional.
"O combustível da destruição da América Latina": o título deixa pouco espaço para o suspense em relação ao tom desse requisitório. Nele, os seus autores acusam os biocombustíveis de exacerbarem a concentração da propriedade da terra, além de incentivarem a explosão dos preços agrícolas e a deterioração do meio-ambiente. "Todos os países que foram objetos deste estudo aumentaram, ou planejam aumentar sua produção de biocombustíveis para níveis preocupantes. Para tanto, eles lançam mão de programas de subvenções, de exoneração de taxas... Ou seja, eles desenvolvem políticas que sempre são muito atrativas para os investidores", aponta o relatório, que deplora as conseqüências em termos de desmatamentos e de poluição relacionada à utilização crescente de pesticidas e de adubos.
Perda de espaço das culturas alimentícias
A Argentina ainda não passa de um nanico no mercado do novo "petróleo verde", mas ela é o segundo maior produtor mundial de soja. A ONG Friends of the Earth calculou que os projetos de investimentos que ela programou para o decorrer dos próximos três anos poderiam permitir-lhe produzir 4 milhões de toneladas de biodiesel. Para tanto, ela precisará converter ou desbravar 9 milhões de hectares, ou seja, o equivalente a 60% das superfícies atualmente cultivadas para a soja. No decorrer das duas últimas décadas, a expansão da soja acabou reduzindo as superfícies dedicadas à agricultura alimentícia e à pecuária, numa proporção de 25%. Já, as superfícies destinadas à produção de forragem foram reduzidas de 50%.
Com o objetivo de diminuírem seus gastos com derivados do petróleo, o Uruguai e a Colômbia também definiram objetivos visando a incorporar os combustíveis alternativos na gasolina tradicional. Na Colômbia, esta meta pressupõe, entre outros, multiplicarem por três, daqui até 2020, as superfícies dedicadas à cultura da palmeira-do-óleo, também conhecida como dendezeiro.
Além do mais, a explosão da demanda nos Estados Unidos e na Europa vem desempenhando um papel crescente neste processo de transformação da paisagem agrícola do subcontinente. As multinacionais do setor já começaram a ocupar posições na maior parte dos países, constata ainda o relatório, apontando a multiplicação dos conflitos com as comunidades locais em torno do uso das terras. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que apóiam o desenvolvimento da produção dos biocombustíveis na região, são considerados como culpados de indiferença em relação aos interesses em jogo.
Esta visão é evidentemente contestada pelos acusados. "Nenhum dos projetos que foram financiados pela nossa instituição representa qualquer espécie de concorrência em relação às culturas alimentícias", afirma Carla Tully, que dirige o Programa de financiamento dos biocombustíveis no BID. "As reservas de terra nessa região são consideráveis, assim como as possibilidades de se obter ganhos de produtividade. Tornou-se prioritário construir uma nova estratégia energética, e os biocombustíveis ocupam uma parte importante nesse processo", prossegue Tully.
Na terça-feira, 9 de setembro, o BID estreou no seu site na Internet uma plataforma interativa destinada a facilitar a tarefa dos governos e dos empreendedores quando estes precisam verificar detalhadamente a compatibilidade dos seus projetos de investimentos com 23 critérios ambientais e sociais diferentes. Será esta uma forma de rebater as críticas dos Amigos da Terra?
(Por Laurence Caramel, Le Monde, UOL, 11/09/2008)