As temperaturas cada vez mais elevadas causaram o colapso de várias enormes plataformas de gelo no Ártico canadense nas últimas semanas. Uma plataforma congelada de 50 quilômetros quadrados na costa setentrional da canadense ilha Ellesmere simplesmente “desapareceu” em três dias, deixando descoberta uma costa submersa sob gelo durante pelo menos quatro mil anos. A perda do grosso manto de gelo que cobre o mar Ártico foi este ano muito maior do que a superfície somada dos enormes Estados norte-americanos do Alasca e Texas somados.
Mas, “institivamente sinto que a redução do gelo do mar não irá superar o registro do ano passado”, disse à IPS Walter Meier, do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo da Universidade do Colorado, nos EUA. Espera-se que este ano a redução da cobertura de gelo do mar atinja seu máximo nos próximos dias. A de 2008 “já é a segunda maior perda de gelo de verão de que se tem registro” depois da de 2007, “embora o clima não esteja tão quente como no ano passado”, acrescentou Meier. Mas, o que está acontecendo significa que vai se acelerar a perda de gelos na tendência de longo prazo, disse o especialista.
Agora é “inevitável” um verão com Ártico sem gelo, e está a menos de duas décadas de distância, previu Meier. Isso não significa que desaparecerá todo o gelo. Pelo contrário, o mar Ártico será como cristal feito em pedaços sobre um solo coberto por incontáveis icebergs e pedaços de gelo flutuante à espera de navios ou plataformas petroleiras com que se chocar. “Após o colapso final do gelo permanente, a navegação será muito mais perigosa, devido às grandes quantidades de pedaços de gelo que estarão flutuando”, disse Meier.
Alguns desses pedaços de gelo serão ilhas geladas de 50 quilômetros quadrados e uma altura equivalente a 10 andares, como os que se desprenderam das plataformas geladas da ilha Ellesmere neste verão, disse Luke Copland, especialista da Universidade de Ottawa. A costa norte dessa ilha é o “congelador profundo” do Ártico, onde todo ano há massas de grosso gelo permanente. Em 2008, e provavelmente pela primeira vez em milênios, houve enormes áreas de água a céu aberto, disse Copland à IPS. “Ficamos realmente surpresos com a rapidez com que se desprenderam algumas das plataformas geladas”, afirmou.
Fotografias feitas por satélites no dia 7 de agosto mostravam claramente a imagem habitual da plataforma gelada de Markham, de 50 quilômetros quadrados de superfície e entre 30 e 50 metros de espessura, encerrada em um fiorde profundo na costa de Ellesmere, como ocorreu durante milhares de anos. As nuvens cobriram a região, até que o céu clareou no dia 11 de agosto e, então, a plataforma de Markham havia desaparecido. “Como pode um fiorde inteiro congelado ficar sem gelo em questão de dias? Não podia acreditar que simplesmente sumira”, recordou Copland.
No total, cinco plataformas geladas na ilha Ellesmere perderam este ano 23% de seu gelo (214 quilômetros quadrados) durante o breve verão do Ártico. “A redução na plataforma de gelo é muito maior do que nossas piores estimativas”, afirmou Copland. O fenômeno ilustra claramente as enormes e aceleradas mudanças que ocorrem no Ártico. “Me surpreenderia se daqui a 10 anos restar alguma plataforma gelada”, acrescentou. As temperadoras de inverno mais altas estão guiando essa diminuição. Agora, a temperatura média no inverno é cinco graus mais elevada do que há 40 anos, ressaltou.
Agora, inclusive onde o gelo do Ártico brilha em sua maior parte intacto, esta grossa camada está deteriorada em sua superfície, e tem muito mais probabilidade de rachar e se quebrar. “Pode parecer que está bem, mas não está”, explicou Copland. Hoje, 214 quilômetros quadrados de plataformas geladas perdidas flutuam livremente como ilhas de gelo pelo mar Ártico. Com estas já estavam na água antes de se desprenderem, não contribuirão com o aumento do nível do mar. Estas plataformas constituem um potencial perigo para as embarcações, mas o que mais preocupa o especialista é a perda de ecossistemas únicos.
Muitas das plataformas geladas tinham lagos de água doce sobre elas. E nestas águas muito frias, formas únicas de vida microbiana sobreviveram tanto a temperaturas como a radiação ultravioleta extremas, própria de uma paisagem branca 24 horas por dia sob um sol de verão. “Estas são formas incomuns de vida que não podem ser encontradas em outra parte”, afirmou Copland. Até este ano, além do grande segmento desprendido da plataforma gelada de Ayles em 2005, não havia nenhuma evidência de mudanças nas camadas de gelo do Ártico. Este ano parece que se cruzou um umbral, porque as restantes plataformas geladas estão cobertas por rachaduras ziguezagueantes, disse Copland. “As coisas estão mudando realmente de maneira rápida no Ártico”, ressaltou.
(Por Stephen Leahy, Envolverde, IPS, 09/09/2008)