Desde 2003, a América Latina e o Caribe registram um ciclo expansionista, com um desempenho econômico positivo e melhores condições macroeconômicas, mas nem todas as dimensões do desenvolvimento sustentável. Hoje, em meados de 2008, a região enfrenta uma perspectiva de desaceleração, uma possível recessão mundial e pressões inflacionárias que põem em risco os avanços na redução da pobreza e na melhoria dos indicadores sociais. Como previsto pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), os preços elevados se manterão por pelo menos dez anos, o que representa um sério risco para cumprir o primeiro Objetivo do Milênio, pelo menos nos países com maiores níveis de pobreza.
O Banco Mundial indica que, na América Latina e no Caribe, o aumento do preço dos alimentos faz com que “as pessoas pobres sejam mais pobres”, ou que a brecha da pobreza tenha aumentado, com um impacto maior para as zonas rurais em comparação com as urbanas. As causas da atual situação alimentar também estão na progressiva degradação de solos, na agricultura excessivamente tecnificada e ecologicamente ineficiente, vulnerabilidade à mudança climática, a quantidade e qualidade da água disponível para irrigação e os sistemas comerciais concentrados e desiguais.
Em seu componente ambiental, a região vem experimentando tensões crescentes. A mudança no panorama externo, associada à instabilidade financeira e aos preços altíssimos do petróleo, conflui na alta de preços dos alimentos e na oferta energética regional, além de a urbanização e o aumento da população também derivarem em tensões ambientais. Desde meados da década de 90, houve um notável aumento nas exportações, e o crescimento da demanda por matérias-primas no mundo incentivou uma exploração intensiva dos recursos naturais.
Entretanto, as explorações pontuais, como por exemplo as minerais, não são as únicas responsáveis pelas pressões ambientais. Como disse o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os impactos principais derivam das mudanças de uso do solo, incentivados pela expansão da fronteira agropecuária empurrada pelas exportações agroindustriais, sobretudo a soja, e pelo crescimento da pecuária. O cultivo de soja cresceu mais de 16 milhões de hectares de 2000 a 2005, enquanto o de milho, trigo e arroz está paralisado.
Os êxitos obtidos na criação de ministérios de Meio Ambiente e de instituições de gestão e pesquisa nesta área, mais a aprovação de leis, instrumentos de proteção e aplicação de políticas, não incidem o suficiente para frear a deterioração ambiental. Tampouco os esforços para melhorar a eficiência energética estão dando os resultados desejáveis na região, enquanto quase todas as demais regiões já registram mudanças positivas. A responsabilidade com o futuro regional implica maior compromisso com a proteção dos ecossistemas, a eficiência energética e opções de biocombustíveis compatíveis com um uso sustentável do território e a proteção dos recursos naturais, como sugerido pela FAO.
Segundo esta agência da ONU, na presente década, a região perdeu pouco mais de 4,7 milhões de hectares anuais de florestas contra 4,5 milhões perdidos na década anterior. De cada cem hectares de florestas que desaparecem no mundo, 65% estão na América Latina e no Caribe. A região está diante de um cenário de mudanças, com impactos diferenciados por países e sub-regiões, que obriga a que sejam reformuladas diversas políticas, com possíveis conseqüências adversas para o desenvolvimento sustentável, sobretudo considerando os desafios abertos nesta fase de negociações de acordos ambientais multilaterais.
Não foram suficientes os esforços de criação de mais áreas naturais protegidas, de ordenação do território e controle dos processos de mudanças no uso da terra. As práticas e os instrumentos testados terão de ser potencializados e até reformados. A advertência, feita em 2005 pela Avaliação de Ecossistemas do Milênio, de que a crise ambiental poderia se potencializar, exige respostas que ainda não estão no cenário das políticas convencionais e que vão além do limitado âmbito das políticas ambientais especificas. Tem relação com as interdependências entre processos socioambientais e requerem maior integração e transversalidade das medidas de ordenação e de usos do território.
Também se impõe uma coordenação melhor entre autoridades centrais, regionais e locais, com sistemas de acompanhamento e uma atenção especial sobre as zonas críticas pelas ameaças em curso. É necessário aplicar medidas econômicas que inibam os danos aos recursos e ao capital natural, além das políticas de desenvolvimento sustentável, valorizar o papel da ação ambiental como área da economia. A região requer a geração de novas fontes de riqueza, de exportações e de emprego para seu desenvolvimento, mas o desenvolvimento sustentável exigirá cada vez mais uma expansão econômica ambientalmente limpa.
A América Latina lidou bem com a crise atual dos Estados Unidos e de outros países, porque aprendeu que é necessário ter uma disciplina macroeconômica rigorosa. Agora, é preciso estabelecer as vias para manejar o capital natural com a mesma disciplina. A biodiversidade da região tem numerosos exemplos de produtos que podem garantir a segurança alimentar dos países e também inclusive se converter em importantes itens de exportação. As opções de manejo agroecológico são convergentes com as estratégias de mitigação da mudança climática, ao privilegiar a proteção dos ecossistemas e evitar o desmatamento: uma alternativa que deveria ser valorizada em uma perspectiva transversal agrícola, comercial e ambiental, como uma oportunidade de desenvolvimento sustentável. O custo da falta de ação seria muito alto, não apenas em termos de danos ecológicos, como também de igualdade social.
(Por Ricardo Sánchez e Enrique Provencio*, Envolverde, Terramérica, 08/09/2008)
* Ricardo Sánchez é diretor para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Enrique Provencio é professor universitário e ex-secretário de Desenvolvimento Social do Governo do Distrito Federal do México.