A cada dia o Brasil tem despertado cada vez mais o interesse internacional na área de produção de petróleo. Com as recentes descobertas, como a do pré-sal, que guarda uma reserva de possíveis 90 bilhões de barris, e a Petrobras cada vez mais competitiva, as multinacionais do setor intensificam a pressão para que o país deixe nas mãos delas a exploração do ouro negro. Alerta e de prontidão, o diretor de Comunicações da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Fernando Siqueira, encabeça uma campanha para evitar que as novas reservas brasileiras caiam nas garras estrangeiras. Em entrevista exclusiva à Idéias em Revista, Siqueira defende a modificação do marco regulatório do petróleo no país para que o brasileiro possa usufruir benesses auferidas com a produção do combustível.
Diante do quadro internacional, qual a situação do Brasil em relação ao mercado de petróleo? O país é uma referência?
Fernando Siqueira - A descoberta do pré-sal, depois de 30 anos de estudos da Petrobrás, evidenciou o absurdo que é o marco regulatório brasileiro. Você tem hoje uma nova província com possibilidade de conter 90 bilhões de barris; isso sem contar que hoje, a Petrobras tem 14 bilhões de reservas.Com esses 90 bilhões, se forem confirmados, ela passa a ter 104 bilhões, passa a ser a quarta reserva mundial, sendo que as três primeiras são Arábia Saudita, com 256 bilhões de barris; o Irã, em torno de 140 bilhões de barris e o Iraque, em torno de 120 bilhões. Deverá, inclusive, superar as reservas da Venezuela que estão em torno de 80 bilhões de barris.
E isso desperta o interesse lá fora...
Siqueira - Claro. O maior interesse é o seguinte: Os Estados Unidos consomem oito bilhões de barris por ano internamente e mais uns dois bilhões são usados nas suas bases militares espalhadas pelo mundo, sem contar as multinacionais espalhadas pelo mundo também. Então, um país que consome dez bilhões de barris por ano e só tem 29 bilhões, que são as reservas deles, é um país que está profundamente preocupado. A economia americana está assentada no petróleo, mais de 50% na matriz energética do país vem do petróleo. Os Estados Unidos têm um consumo de 24 barris por ano por habitante, que é o dobro da Europa, que consome 12 barris por ano por habitante.
Qual o consumo do Brasil?
Siqueira - Nós consumimos três barris por ano por habitante, enquanto o Terceiro Mundo, apenas dois barris por habitante.
E o que acontece com americanos?
Siqueira - Se eles não tiverem petróleo externo, ficam sem o combustível da economia. Eles têm todo o interesse no petróleo brasileiro. Inclusive, Le Monde Diplomatique já associou a recriação da 4ª Frota à questão do petróleo brasileiro. O interesse americano é fortíssimo, a Europa também consome bem menos que os EUA, mas não tem petróleo. O Japão não tem petróleo, a China também não e já está ultrapassando os japoneses em consumo. Todos são altos consumidores e não têm petróleo.
A invasão americana no lraque teria alguma relação?
Siqueira - Para acentuar mais essa questão, os EUA invadiram o Iraque, gastaram lá mais de US$ 2 trilhões e não foi para salvar os iraquianos de nada, foi tentar obter a garantia sobre o fornecimento de petróleo. Embora a Arábia Saudita seja muito ligada à família Bush, tendo uma submissão enorme aos EUA, hoje existe uma rebelião na família saudita contra essa submissão absurda. Para agravar mais ainda a situação internacional, conforme vários analistas previram e nós falamos isso no primeiro Fórum Mundial Social, em 2001, que antes de 2010 ocorreria o terceiro e definitivo choque mundial do petróleo.
Como se dará esse choque definitivo?
Siqueira - É que a produção mundial de petróleo está chegando no pico e vai cair acentuadamente, enquanto a demanda está crescendo até acima do previsto. A conseqüência primeira é a elevação dos preços. Quando nós falamos, em 2001, que o petróleo chegaria a US$ 100 antes de 2010, a platéia deu uma risada. Como o Brasil agora pode ser a quarta reserva mundial e está na América Latina, cuja intervenção é muito mais barata, eu acho que corremos um seriíssimo risco de ter uma forte pressão econômica, financeira e política sobre o governo brasileiro para ceder, de alguma forma, esse petróleo. Os representantes das multinacionais americanas, em um congresso na Europa, chegaram a dizer que o brasileiro descobriu petróleo. Disseram coisas do tipo: `Eles estão com arroubos nacionalistas, não podemos permitir isso!` Consideram o Brasil uma colônia dos EUA. Com certeza, o Brasil vai sofrer pressões terríveis por esse petróleo.
A pressão vai ser só sobre o Brasil?
Siqueira - Não só o Brasil, mas toda a América Latina está, sob um tiroteio econômico, financeiro e político muito forte. Estive em junho passado no México, a convite dos mexicanos da Pemex para desmistificar o que o governo deles estava tentando dizer: que a Petrobras era o modelo a ser copiado pela Pemex. Em palestras, eu mostrei que esse modelo foi muito ruim para o Brasil, péssimo para a Petrobras, porque era empresa estatal com 80% de ações do governo e hoje tem apenas 40% das ações em poder do governo, aliás 32%, porque 8% estão com o BNDES-Par, que tem hoje em sua direção os neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso.
Qual seria o modelo ideal para a Petrobras?
Siqueira - A nossa proposta, que estamos discutindo e vamos enviar como sugestão para o Congresso Nacional, é mudar o marco regulatório. A lei do Petróleo é incoerente. Ela diz que as reservas brasileiras de petróleo pertencem à União. O Artigo 21 diz que o produto da lavra da produção do petróleo pertence à União e aí vem o Artigo 26, que saiu do lobby internacional no Congresso Nacional, e diz que quem produz o petróleo é dono dele. Isso contraria a Constituição, porque o Artigo 177 diz que o petróleo é um monopólio da União, nunca foi da Petrobras. Os artigos 3° e 21 da lei diz que o petróleo e a produção são da União. E o artigo maluco, o 26, dizendo que quem produz é o dono. O que acentuou mais ainda o absurdo do marco regulatório é que essa lei do petróleo, feita pelo Fernando Henrique, a Lei 9.478, ainda estabelece uma participação especial para o governo brasileiro que é regulada por um decreto do FH, o 2.705, que determina a participação da União no produto da lavra num percentual de 0% a 40%. Até um certo valor de produção você paga O%. Se o pré-sal tiver um altíssimo potencial de produção, quem explorasse pagaria 40% ao governo, como determina esse decreto.
Como funciona em outros países?
Siqueira - Se você olhar o mercado mundial, vai ver que os países produtores, onde têm empresas multinacionais produzindo, recebem 84% pela produção do petróleo. A média mundial de participação dos países produtores é de 84%. No Brasil, o máximo é 40%, o país recebe menos da metade do que é pago lá fora, na média.
O governo Lula tem condições de alterar isso e já sinalizou que pode fazer isso?
Siqueira - Quando estava ocorrendo o nono leilão, foi descoberto o Tupi; que é uma parte do pré-sal, um bloco de 10% daquela área, o governo Lula foi à Petrobrás, conversou com a direção das empresas e tomou conhecimento do potencial do pré-sal. Quando informado que ali seria possível achar 90 bilhões de barris, corretamente retirou os 41 blocos daquela promissora área do leilão. E o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) fez uma portaria que, no artigo 4°, sinaliza que é preciso mudar o marco regulatório. Estamos nessa queda de braço: o governo quer mudar o marco regulatório e as multinacionais são contra porque elas precisam continuar com essa mamata de não correrem risco nenhum. Querem pegar as áreas que a Petrobrás investiu, correu risco geológico, pesquisou e comprar a concessão, produzir petróleo, dar 40% ao governo e ir embora com 60%, sem risco algum, investimento, sem pesquisa, sem nada.
O que o senhor tem a dizer sobre a possibilidade de se criar uma nova estatal brasileira do petróleo?
Siqueira - Agora tem a discussão da criação de uma nova estatal, 100% federal que, ao meu ver, tem a finalidade desviar o foco que é: o Brasil hoje não está se beneficiando do seu petróleo. O povo brasileiro não está se beneficiando do seu petróleo. A Shell, por exemplo, tem um poço que explora e exporta sem pagar nada porque está numa faixa de isenção. Não paga participação especial e não paga imposto de Renda, beneficiada pela Lei Kandir. Assim, a Shell exporta de graça. Não faz sentido para o povo brasileiro ver uma multinacional exportando petróleo sem pagar nada ao país. Isso é inaceitável. Essa legislação precisar ser mudada urgentemente.
Qual seria o objetivo, então, de criar uma nova estatal?
Siqueira - A finalidade da estatal não é de garantir a propriedade de petróleo à União. Pela Constituição o petróleo é da União. Querem criar a nova estatal para gerenciar os leilões. É capaz de todo o time da Agência Nacional de Petróleo (ANP) mudar de lado e entregando os 60% do petróleo brasileiro para empresas estrangeiras. As agências reguladoras foram criadas para defender o interesse de empresas estrangeiras. O presidente da ANP, o Haroldo Lima, durante 60 anos foi nacionalista, defensor da Petrobrás, defensor do petróleo, em nome da soberania nacional. Indo para a ANP, em dois meses ele virou entreguista e lobista das multinacionais. Ele diz que os EUA furam 14 mil poços por ano e o Brasil, apenas 11. O que adianta furar 14 mil e não achar nada? O Brasil furou 11 e achou petróleo em oito, depois de fazer estudos, levantamentos. A Petrobrás já vasculhou toda a costa brasileira. Há 29 possíveis áreas. A única que faltava era a do pré-sal porque tinha limitação técnica. A partir do momento que as limitações técnicas foram superadas, e a Petrobrás foi pioneira nisso, não existe outro pré-sal no mundo, investiu US$ 240 milhões. Não saiu fazendo furo adoidado por aí!
Que modelo de contrato senhor defende?
Siqueira - Defendemos que o governo faça um contrato ou de serviços ou de partilha. Hoje é feita concessão que, pelo Artigo 26, diz que quem recebe a concessão é dono do poço. A empresa compraria um bloco, daria ao governo 8% e ficaria com 16%. Assim, a Petrobrás leva uma vantagem. Se ela ganhar fica com os 16%, que desse total, 40% são do governo, ou seja, o governo receberia além dos 84% mais 6,4% referentes às ações que tem da Petrobrás. Um total de 90,4% com só 9,6% indo para o exterior.
Seria o ideal?
Siqueira - Nossa proposta ideal é a que o governo contrate isso com a Petrobrás, ao mesmo tempo que compre de volta as ações estatal no exterior. Hoje, o governo tem de 32% a 40% das ações. Não tem sentido fazer os leilões. É leiloar um bilhete premiado. Não tem mais riscos nos blocos. Todos os riscos foram corridos e eliminados pela Petrobrás. O Brasil tem a tecnologia, tem o conhecimento da área, tem capacitação para produzir. Qual é o lucro que o governo vai ter em trazer uma empresa de fora que não tem nada disso? Muito provavelmente vai contrata funcionários da Petrobrás. O povo brasileiro não tem lucro com o petróleo. Tínhamos que fazer igual a Venezuela que exporta petróleo e mantém o preço a dois centavos de dólar no litro vendido internamente. Aqui porque a Petrobrás tem 40% na bolsa, os acionistas exigem que ela cobre o preço de mercado.
(Por Max Leone, Idéias em Revista*/ AEPET, 01/09/2008)
*Ano III - número 20 - julho/agosto 2008
*Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio de Janeiro.