Uma das melhores estratégias para preservar a floresta Amazônica é aproveitando bem os seus recursos. Já existem empresas que cortam árvores de forma sustentável. Isso garante empregos e retorno financeiro, sem depredar a floresta. Gera valor para a floresta. É melhor do que queimar tudo para fazer carvão e depois plantar pastagens, como ocorre na fronteira do desmatamento. Algumas dessas madeireiras sustentáveis ostentam selos verdes, como o FSC, para vender para mercados mais exigentes, como os da Europa.
Mas, se esse negócio de madeira sustentável é tão bom, por que ainda não emplacou na região? Para responder isso, ouvimos Justiniano de Queiroz Netto, diretor-executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex), que reúne a maioria das madeireiras certificadas. Netto também é presidente do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Pará.
Época: A indústria madeireira é popularmente tida como culpada pelo desmatamento na Amazônia. Essa visão é correta?
Justiniano de Queiroz Netto: Definitivamente não. Na verdade, a atividade madeireira, quando desenvolvida através do manejo sustentável, ajuda a conservar as florestas nativas, gerando benefícios socioeconômicos para a população da Amazônia. Atribuo boa parte do mito do “vilão madeireiro” ao fato de que a imagem da tora choca muito mais que a do boi no pasto ou da soja no campo. A gente cresce lendo revistinha do Chico Bento e tem a predisposição de considerar o campo uma coisa romântica, sem pensar que ali antes poderia haver uma floresta. Com isso não quero condenar a agropecuária, pois ela pode e deve crescer sem avançar sobre a floresta, ganhando produtividade e qualidade. Também não quero isentar todo o setor madeireiro, porque sabemos que existe uma parcela que atua na ilegalidade e na exploração predatória, o que também faz mal à floresta. Mas culpar o madeireiro ajudou a estigmatizar o desmatamento e, com isso, atrasou a solução para o problema.
Época: Uma madeireira, mesmo agindo de forma predatória, derruba toda a floresta?
Netto: Nem mesmo agindo de forma predatória a atividade madeireira devasta a floresta, pois ela não faz o chamado “corte raso”. A exploração predatória é ruim para a floresta porque causa um grande impacto, deixando a floresta mais frágil e pobre. Assim, ela demora muito tempo para se recuperar, perde parte da sua biodiversidade e fica mais suscetível ao fogo, por exemplo. Mas continua floresta e ainda mantém parte das suas funções ecológicas.
Época: Se a madeira for explorada de forma sustentável, dá para ganhar dinheiro e preservar a floresta?
Netto: Dá pra ganhar dinheiro e manter a floresta viva. O manejo florestal é rentável e funciona como fonte de matéria-prima ou insumo de uma extensa e importante cadeia produtiva, desde a indústria madeireira (que produz madeira serrada, compensado, pisos, decks, portas, janelas) até as fábricas de móveis, construção civil, olarias, padarias, siderúrgicas, etc. Além disso, é intensiva em mão-de-obra, o que é importante numa Amazônia que tem grande taxa de imigração, recebendo pessoas de diversas regiões, sobretudo do nordeste, em busca de oportunidades de trabalho. Quanto ao aspecto ambiental, o manejo florestal assegura os recursos madeireiros e não-madeireiros para as futuras gerações, pois respeita a capacidade de suporte do meio ambiente. São colhidas apenas as árvores comercias e maduras, com pequeno impacto sobre a floresta. Se uma pessoa comum entrar numa floresta manejada dificilmente perceberá que já foi retirada madeira daquele lugar.
Época: Explorar madeira de forma sustentável dá mais dinheiro que a pecuária, que geralmente ocupa a área depois da derrubada da mata?
Netto: São negócios diferentes. O manejo florestal gera uma receita maior, mas o ciclo de produção é longo, uma colheita a cada 25 a 30 anos, com custo de implantação bastante alto, sem contar a burocracia. Já a pecuária tem uma receita menor, mas gera fruto em ciclos bem mais curtos. Fazendo a conta da renda por hectare/ano acho que a pecuária leva ligeira vantagem. Por isso, precisamos agregar mais valor ao manejo, passando a considerar também os seus ativos ambientais.
Época: Se a madeira sustentável dá lucro, por que os proprietários preferem derrubar e abrir pasto ao invés de fazer um manejo de sua floresta?
Netto: Como disse, tenho dúvidas quanto à rentabilidade da pecuária ser menor que do manejo. Com o manejo florestal o proprietário assume o compromisso de manter a floresta em pé por, pelo menos, 30 anos. Além disso, o manejo florestal passa por um burocrático processo de aprovação junto ao órgão de meio ambiente e a madeira também possui controle ambiental, o que aumenta os custo de produção. A criação de gado é mais simples, o controle maior é o sanitário. Vender o boi é mais fácil, dá menos dor de cabeça que mexer com madeira. Talvez por isso alguns produtores optem em trocar a floresta pela pecuária. Agora, é importante ressaltar que as duas atividades não se excluem e existem muitos fazendeiros na Amazônia que criam boi na área permitida e fazem o manejo florestal dentro da reserva legal. Entretanto, se quisermos assistir o crescimento do manejo florestal, precisamos desburocratizar e estimular o uso dessa técnica.
Época: Alguns selos atestam que a madeira foi produzida de forma sustentável. O FSC é o mais famoso deles. Imaginava-se que o selo FSC reconfigurar o mercado. Mas isso não aconteceu. Por quê?
Netto: As áreas certificadas cresceram bastante na Amazônia, saltando de 90 mil para quase 2 milhões de hectares em cinco anos. O processo basicamente foi freado pela falta de regularização fundiária. Alguns projetos com selo FSC foram paralisados por questões fundiárias, como é o caso das empresas Emapa e Precious Wood no Pará. Muitos outros deixaram de acontecer por conta da indefinição quanto à documentação da terra, pois existem muitas áreas de posse legítima que há décadas aguardam a regularização por parte do governo. Para romper essa barreira foi aprovada, em 2006, a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que prevê a concessão florestal, uma forma de viabilizar o manejo florestal da área pública sem transferir o domínio da terra. Creio que, com a implantação das concessões, as áreas certificadas FSC vão crescer exponencialmente.
Época: Você acha que a indústria madeireira ainda pode salvar a Amazônia? Ou vai virar tudo pasto e os madeireiros vão sair do negócio?
Netto: A atividade florestal-madeireira é muito importante para a Amazônia, pois pode efetivamente gerar renda e emprego e, ao mesmo tempo, proteger a floresta. Para isso, precisamos fortalecer a economia florestal da região, criando cadeias produtivas a partir do bom manejo. Todo esse processo deve ser feito com transparência e controle social. Mas tem de ser feito rapidamente, pois estamos numa encruzilhada e o tempo joga contra a floresta. Concessões florestais, manejo comunitário, reflorestamento, capacitação, eficiência no licenciamento ambiental, etc. Existe uma extensa lista de tarefas para implantar um modelo de produção florestal sustentável. Se tudo der certo, daqui algumas décadas talvez tenhamos taxas de crescimento da floresta amazônica, com a diminuição do desmatamento e o aumento da área reflorestada. Se não der, falaremos de cinzas… Dedico minha vida à primeira opção.
(Alexandre Mansur
, blog do planeta, 08/09/2008)