Pesquisa publicada pela revista científica PLoS ONE, no último dia 13 de agosto, descreve a história evolutiva de um grupo de genes chaves das plantas verdes – chamados de bZIP, são interruptores moleculares que controlam a atividade de outros genes. A história vem desde as algas surgidas entre 1 bilhão e 1,5 bilhão de anos, a conquista do meio terrestre pelos musgos (briófitas) há 500 milhões de anos, a formação das sementes (gimnospermas) há 300 milhões de anos, até o surgimento das plantas superiores (as angiospermas, que têm flores) entre 150 milhões e 200 milhões atrás.
“Descobrimos que no ancestral comum das plantas superiores havia quatro genes bZIP fundadores, que estão relacionados com o controle de certos aspectos como estresse oxidativo e resposta à luz. O que fizemos foi descrever a história evolutiva desses genes”, afirma o professor Michel Vincentz, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, que coordenou a pesquisa.
Neste trabalho, Vincentz contou com a parceria de pesquisadores de duas instituições da Alemanha, a Universidade de Potsdam e o Instituto Max Planck. “Chegamos aos genes fundadores estudando dois genomas completos de algas, um de musgo e três de angiospermas, e mais uma série de frações transcritas de vários outros genomas, como de samambaias, cana, milho e trigo, entre outros”.
O pesquisador explica que o conjunto de informações genômicas hoje disponíveis permite verificar como os genes se amplificaram e evoluíram. Segundo ele, os quatro genes fundadores duplicaram-se em oito nas algas, em 40 para os musgos e em 80 para as angiospermas. “Houve uma amplificação de quatro para 80 durante mais de 1 bilhão de anos”.
Este processo de amplificação, acrescenta Michel Vincentz, corresponde à aquisição de novas características. “No caso dos musgos, devido à necessidade de sobreviver com menos água no meio terrestre, adquirindo ferramentas genéticas que evitassem o estresse hídrico e dessem mais resistência a patógenos. O salto para 80 genes, até as plantas superiores, reflete aquisições como o sistema vascular para transporte de nutrientes e de água, o desenvolvimento de sementes e, por último, da flor”.
De acordo com o professor da Unicamp, a duplicação de genes e a subseqüente acumulação de mutações permitiram às plantas se adaptarem a novos meios. “Ocorrem substituições, deleções, inversões e inserções na seqüência genética que fazem com que as cópias resultantes das duplicações divirjam umas das outras. Como as cópias não são mais iguais, elas vão gerar novidades, com a ajuda da seleção. Daí a diversidade de plantas, com várias formas e vários processos metabólicos e de desenvolvimento”.
O objetivo deste grupo de pesquisadores é estudar tais variações, acompanhando o perfil evolutivo das plantas verdes para averiguar os pontos em que os genes vão aparecendo e para quais funções. “Além do controle do desenvolvimento, da resposta à luz, da geração da semente e do florescimento, os genes do tipo bZIP estão envolvidos com o controle do uso das reservas energéticas da planta em função das condições do ambiente – este é o aspecto que mais nos interessa”.
Espalhamento
A pesquisa, ressalta Vincentz, apontou que quase 25% dos 80 genes bZIP em angiospermas estão relacionados ao controle das reservas energéticas, o que sugere a importância do gerenciamento do uso da energia para a radiação e a diversificação das plantas superiores. “Existem mais de 200 mil espécies de angiospermas, que conquistaram inúmeros biomas no mundo inteiro. Temos uma fonte quase inesgotável de diversidade genética, principalmente para uso humano”.
Na opinião do pesquisador do CBMEG, a prevalência de genes que controlam as reservas energéticas faz sentido, visto que a planta é um organismo fixo. “A planta cria raízes e não pode fugir do calor. Por isso, elaborou uma série de sofisticados mecanismos de regulação, que permite responder de maneira mais fina a variações no meio ambiente. Como por exemplo, em relação à nutrição mineral (nitrogênio e fosfato), acessibilidade de luz e proteção contra o estresse hídrico e os patógenos”.
Graças às redes de regulação, ilustra Michel Vincentz, uma planta que conta com pouca água começará, por exemplo, a utilizar as reservas energéticas para produzir moléculas que protegerão suas células contra a desidratação. “Ela vai acionar esse mecanismo sem prejudicar o resto do organismo. As redes promovem este balanço, em função das informações do meio, sempre para otimizar o crescimento e o desenvolvimento da planta”.
Nesse sentido, os pesquisadores montaram um esquema evolutivo identificando os genes importantes da rede de regulação das plantas verdes. “Veja que os genes de controle das reservas energéticas amplificaram de maneira significativa apenas nas angipospermas, há 150 milhões de anos. Esta parte da rede não estava presente nas algas, sendo integrada posteriormente, sofisticando o sistema”.
Melhoramento
Vincentz afirma que as angiospermas merecem o nome de plantas superiores, pois criaram redes de regulação mais complexas. O conhecimento da biologia destas plantas, diz ele, oferece as informações básicas para orientar a sua manipulação, seja por melhoramento genético ou eventualmente por transgenia. “Basta saber quais são os alvos no contexto evolutivo, do próprio organismo ou funcional. A integração das informações permitirá ciblar os genes mais interessantes para o melhoramento”.
O professor da Unicamp lembra que grande parte das plantas superiores possui importância econômica e faz parte da dieta humana, dando o exemplo de duas classes de angiospermas: as monocotiledôneas, que englobam cereais como o trigo, o arroz, o sogro e o milho; e as dicotiledôneas, entre as quais estão o tomate, a batata e o feijão. “Temos a cana, que é uma gramínea, cujo interesse agronômico cresceu com a questão da bioenergia”.
Michel Vincentz considera que estas pesquisas tornam-se ainda mais relevantes num cenário de maior demanda por alimentos e por biomassas para geração de energia renovável. “No momento, estamos trabalhando justamente para detalhar como os genes do tipo bZIP interagem e quais são aqueles de controle. Outra vertente dos estudos, em conjunto com os pesquisadores da Alemanha, visa saber como o sistema evoluiu e em que momento (e como) determinado gene se integrou à rede de controle mais simples”.
O pesquisador do CBMEG adianta que seu grupo também atendeu a chamada de projeto da Fapesp para pesquisas com a cana-de-açúcar focadas na produção de bioenergia. “Nosso trabalho se integra claramente a esta problemática. Sabendo quais são os mecanismos celulares relacionados com os vários tipos de estresse na cana, podemos pensar na sua manipulação para otimizar a produção de biomassa”.
Simulações vão dar novas pistas
Embora ressalvando que não é o objetivo de suas pesquisas, o professor Michel Vincentz acha possível que outros pesquisadores estudem, especificamente, a história evolutiva de cada uma das variedades de planta verde com maior importância econômica e nutricional, no intuito de melhorá-las geneticamente. “Ocorre que a obtenção de novos produtos no curto prazo é algo complicado, devido à própria complexidade das redes. Creio que seja trabalho para dez anos, tempo necessário para aprofundar nossos conhecimentos sobre a biologia das angiospermas e de como as novas peças se encaixaram durante sua evolução”.
No CBMEG, o grupo de Vincentz adotou para estudo funcional – não da história evolutiva – das plantas verdes, a angiosperma Arabidopsis thaliana, considerada um sistema modelo para pesquisas. “A quantidade de informação que temos nela é enorme, o que facilita nosso trabalho. É um organismo que permite perguntas muito mais precisas, sendo possível manipulá-lo e transformá-lo. Com as informações, podemos extrapolar para outras angiospermas ou mesmo para organismos mais simples do esquema evolutivo”.
O professor da Unicamp informa que genes bZIP envolvidos no controle energético em Arabidopsis thaliana já foram encontrados em cana-de-açúcar, arroz, sorgo e milho. “Sabemos que o sistema está presente na cana, mas o que procuramos estudar é a variabilidade associada aos genes. É preciso saber se eles são tão importantes para a cana quanto para a Arabidopsis, como por exemplo, no controle do estresse hídrico ou do uso dos recursos energéticos. De qualquer forma, agora conseguimos fazer simulações”.
Segundo o pesquisador, identificar genes de interesse em uma planta é um processo rápido, desde que seu genoma esteja completamente mapeado. “Nesse caso, basta fazer uma busca no banco de dados, onde encontraremos uma pequena análise de relação evolutiva, informando inclusive se duas espécies diferentes possuem um ancestral comum e se elas estão relacionadas”.
Michel Vincentz ressalta que, mais recentemente, chegaram ao mercado genomas como do sorgo, da uva e da samambaia, e que do milho está para ser disponibilizado. “Existe um grande esforço internacional para desvendar todas as etapas evolutivas que levaram às angiospermas, e para isso precisamos da informação completa, que é o genoma. Em pouco tempo, vamos entender como um gene foi criado e se encaixou em redes ancestrais fundadoras para gerar um organismo mais sofisticado e robusto, capaz de se adaptar a novos meios”.
(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp, 09/09/2008)