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direitos indígenas terras indígenas Survival International
2008-09-07
Governo do Acre e Funai não agilizam convênio para proteger etnias; jornal inglês se retrata do erro de ter considerado as fotos uma fraude

A organização Survival International, que defende populações tribais, divulgou um comunicado no qual lembra que 100 dias após as fotografias de um dos últimos povos isolados aparecem nas manchetes da imprensa mundial, o governo do Peru não cumpriu a promessa de  publicar um relatório sobre o assunto.

As fotografias dos índios de uma das três etnias isoladas que vivem no Acre, na fronteira com o Peru, foram publicadas pela primeira vez, com exclusividade, por Terra Magazine, no final de maio.

Durante quase 20 horas num avião monomotor, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, da Funai, comandou o sobrevôo que resultou nas imagens onde mulheres e crianças apareceram buscando proteção na floresta, enquanto os guerreiros da tribo se posicionam e reagem atirando flechas contra o avião.

As fotos que o sertanista cedeu à Terra Magazine também foram cedidas uma semana depois à Survival International. As imagens dos índios isolados foram captadas pelo fotógrafo Gleilson Miranda, da Secretaria de Comunicação do Acre. O governo estadual financiou a expedição a pedido do sertanista.

As imagens impactaram a mídia internacional e levaram o governo peruano a  anunciar que enviaria uma equipe ao Parque Nacional Alto Purus, na fronteira com o Acre, para investigar os motivos da fuga de grupos de índios isolados  para o Brasil.

O governo peruano chegou prometer que o relatório da investigação seria amplamente divulgado, mas até agora não se conhece o seu teor. Não se sabe nem se a equipe de fato percorreu a região.

Survival International assinala que a aldeia fotografada em território do Brasil, perto da fronteira com o Peru, está localizada em região onde madeireiros ilegais peruanos destroem a floresta e forçam a fuga de povos indígenas isolados do Peru para o Brasil.

- O que se passa naquela região [do Peru] é um grande crime contra a natureza, índios, e a fauna, bem como um claro indício da total irracionalidade com que nós, os “civilizados”, lidamos com o mundo, lar de todos nós - afirma o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior.

Survival assinala que o presidente peruano Alan Garcia, antes da divulgação das fotos, já afirmara publicamente que os povos indígenas isolados foram “criados” por “ambientalistas” que se opõem  à exploração petrolífera na Amazônia. O mesmo fora feito por Daniel Sabá, presidente da Perupetro SA, agência estatal que promove a concessão de contratos para a prospecção e produção de petroléo e gás.

Um porta-voz da agência chegou a comparar os isolados ao monstro de Loch Ness, “aquele sobre o qual todo mundo tem uma história, mas que nunca ninguém efetivamente viu”.

- Na verdade, existem quinze povos indígenas isolados no Peru, todos eles sob a ameaça de uma enorme exploração madeireira e da exploração de petróleo e gás - adverte  o comunicado da Survival.

Recentemente, milhares de indígenas da Amazônia peruana protestaram em defesa de seus territórios. Os protestos forçaram o Congresso do Peru a revogar duas leis que ameaçavam o controle pelos indígenas dos seus territórios.

- Não devemos permitir que o governo peruano enterre esse assunto. O que o governo está a fazer exatamente? Os isolados são alguns dos cidadãos mais vulneráveis do Peru e estão fugindo do país. Chamá-los “refugiados sem contato” não seria exagero.

Lentidão do lado brasileiro
No início de junho passado, o sertanista Meirelles propôs ao governador Binho Marques um convênio que não teve andamento entre o Governo do Acre e a Funai, com duração de dois anos, fundamentado em três linhas de ações.

A primeira é estabelecer um posto de vigilância no rio Santa Rosa, linha de fronteira natural entre o Brasil e o Peru, de forma a proteger os fundos da Terra Indígena Riozinho do Alto Envira, destinada aos isolados e ashaninka, atualmente em processo de demarcação física.

O estabelecimento do posto de vigilância poderá evitar e impedir que madeireiros ilegais, caçadores e pescadores profissionais, vindos dos centros urbanos de Santa Rosa e, no lado peruano, de Esperanza e de comunidades indígenas do entorno, invadam os territórios dos isolados e destruam os recursos naturais necessários à sua sobrevivência.

Junto com dois postos já instalados nos altos rios Envira e Tarauacá, pretende-se consolidar um sistema de vigilância e proteção que abrange sete terras indígenas situadas entre os municípios de Santa Rosa do Purus e Jordão ao longo da fronteira internacional e suas imediações.

Outra prioridade é o monitoramento dos territórios ocupados pelos isolados a partir de análises de imagens de satélites e expedições terrestres, realizando poucos sobrevôos para que os brabos não se sintam acuados e amedrontados em suas malocas e roçados.

A segunda linha de ação é realizar reuniões e “oficinas de sensibilização” com lideranças tradicionais, professores, agentes agroflorestais, agente indígena de saúde e comunitários que compartilham suas terras com diversos grupos isolados, bem como com moradores brancos do entorno, buscando estimular uma nova mentalidade de respeito e de não violência em relação a esses povos voluntariamente isolados.

- E, quando possível, construir consensos, acordos e pactos para preservar áreas de suas terras, situadas mais às cabeceiras dos rios, para uso exclusivo desses povos resistentes - afirma o sertanista.

O convênio sugere a produção de informações qualificadas sobre os processos de desenvolvimento econômico atualmente em curso nas florestas de ambos os lados da fronteira, especialmente aqueles que afetam a sobrevivência dos povos isolados, além de realizar estudos sobre os impactos socioambientais decorrentes da política de desenvolvimento nos territórios ocupados por esses povos.

The Observer se retrata

Durante a semana, o jornal britânico The Observer se retratou de um artigo assinado por Peter Beaumont, editor de assuntos internacionais. Ele errou ao se precipitar em afirmar que as fotografias dos índios isolados eram uma fraude. O jornal finalmente admitiu que a sua versão era “imprecisa, enganadora e distorcida”.

Quando Survival reclamou do erro, primeiramente Beaumont ameaçou processar a organização por difamação. Como o jornal se recusou a publicar uma retratação, Survival apresentou uma denúncia formal na Comissão de Controle da Imprensa do Reino Unido. O resultado de um inquérito forçou o jornal a publicar as desculpas.

O jornal admite que tanto as imagens como um comunicado de imprensa distribuídos pela Survival eram “perfeitamente válidos”.

- O artigo original publicado em The Observer foi duplamente nocivo: primeiro, porque ele sugeriu que tivéssemos enganado as pessoas e, em segundo lugar, porque foi utilizado por aqueles que se opõem aos direitos dos povos indígenas, que alegavam que as fotos dos povos indígenas isolados da Amazônia foram falsificadas - disse Stephen Corry, diretor da Survival International.

A organização destacou que grande parte de sua força decorre de sua reputação de rigor e de informações precisas sobre questões dos povos indígenas.

- Nós temos prazer que The Observador tenha admitido que estava errado - conclui o comunicado da Survival.

(Por Altino Machado, blog, Amazonia.org,br, 07/09/2008)
 

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