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energia nuclear no brasil
2008-09-02
Respondendo a pressão internacional, nova versão do programa nuclear brasileiro prevê órgão fiscalizador independente

Governo quer ainda atingir em 2014 auto-suficiência em combustível nuclear; comitê de 11 ministros se reúne em outubro

Um comitê de 11 ministros se reunirá em meados de outubro para decidir a nova feição do programa nuclear brasileiro. A trajetória do salto projetado com a construção de Angra 3 já foi apresentada a Lula: criar uma agência fiscalizadora separada da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e atingir auto-suficiência em combustível nuclear até 2014.

A proposta de criação da agência do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, coordenado pela Casa Civil, responde a uma demanda internacional. Acusa-se o Brasil de não dar independência a seu órgão fiscalizador (CNEN; em geral, pronuncia-se "quiném"), pois este se envolve também na execução do programa. Por exemplo, na operação de reatores de pesquisa.

O assunto é sensível porque a mesma tecnologia usada no enriquecimento do urânio para usinas termelétricas nucleares e o rejeito nelas produzido podem em princípio alimentar um projeto militar.

Enriquecimento é o aumento da concentração do urânio-235, versão físsil do elemento, que pode ser usado nas reações em cadeia. Para usinas, basta enriquecer a 3,5%. Aplicações bélicas exigem 90%, concentração obtida em "cascatas" de centrífugas que separam o U-235 em sucessivas passagens de um gás contendo urânio.

O Brasil interrompeu oficialmente seu programa nuclear paralelo (militar) em 1990. Mas o país ainda sofre pressões.

No final de 2004, houve muito barulho em torno de visita de inspeção da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) à fábrica de urânio enriquecido das INB (Indústrias Nucleares do Brasil) em Resende (RJ). A CNEN negociou por meses as bases da inspeção, para impedir a visão de partes inovadoras das centrífugas.

A fábrica terminou aprovada. Se a agência independente em estudo já existisse, porém, o órgão nacional de fiscalização e o operador do enriquecimento não estariam sob o mesmo teto.

Para o presidente da CNEN, Odair Dias Gonçalves, a questão da independência é formal: se os órgãos fiscalizador e promotor não partilharem um prédio, estarão no mesmo governo. É, também, uma questão de evolução, pois noutros países as agências reguladoras só se tornaram independentes depois que seus programas nucleares atingiram grande porte.

"Acho uma falácia o argumento da independência, mas isso não significa que seja contra", afirma Gonçalves. "É natural que se crie uma agência separada, dependendo do tamanho do programa nuclear."

A agência nasceria com o desmembramento das áreas da CNEN que cuidam de radioproteção, segurança e salvaguardas (cláusulas de acordos internacionais). A separação ocorreria em um ou dois anos, dependendo de ser ou não necessária emenda constitucional, o que ainda está em exame.

Auto-suficiência

O governo Lula optou por deslanchar o programa nuclear brasileiro. Mais que duplicou o orçamento da CNEN entre 2003 e 2008, de R$ 70 milhões para R$ 150 milhões. Outros R$ 251 milhões estão orçados neste ano para pessoal, cerca de 2.700 funcionários.

O Planalto já decidiu retomar Angra 3, no litoral do Rio de Janeiro, paralisada em 1984. Incluiu no planejamento do setor elétrico para 2030 outras 4 a 8 usinas fora de Angra. A proposta do comitê é construir uma central no Nordeste e outra no Sudeste, com 2 a 3 usinas cada uma.

Também está nos planos dar impulso à construção de um submarino com propulsão nuclear. Foi num centro experimental da Marinha em Aramar, Iperó (SP), que se desenvolveram as centrífugas hoje usadas nas INB, em Resende (RJ).

Existe a proposta de instalar também em Aramar uma unidade-piloto de transformação do minério de urânio ("yellow cake") no gás hexafluoreto de urânio (UF6) que alimenta as centrífugas. O processo é realizado hoje no Canadá. Já o enriquecimento do combustível das usinas ocorre na Europa, pelo consórcio Urenco.

O plano é obter auto-suficiência na produção de combustível físsil para todos os reatores nacionais, de pesquisa ou em usinas, até 2014. O Brasil, com a sexta maior reserva de urânio, é um dos três únicos países a ter jazidas suficientes do minério e também a tecnologia para enriquecê-lo. Os outros são EUA e Rússia.

Essa é a situação hoje, com 30% do território prospectado até a profundidade de 100 metros. Segundo a Cnen, há a expectativa de que o país abrigue na realidade a segunda maior reserva do mundo. De reservas com evidências, porém, há 500 mil toneladas -o bastante para 250 anos de operação das seis usinas previstas para 2025.

Para dar esse passo na mudança de escala do programa nuclear brasileiro, está nos planos também mudar de patamar no gerenciamento dos rejeitos nucleares produzidos pelas usinas. Em especial, o combustível usado (de alta atividade). Para o comitê, isso deve ficar a cargo de uma nova empresa estatal.

(Marcelo Leite, Folha de São Paulo, 02/09/2008)

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