A discussão sobre o pré-sal "está sendo política e ideológica", acusa Claudio Haddad, diretor-presidente do Ibmec São Paulo e presidente do Conselho da Veris Educacional S.A., em artigo publicado no jornal Valor, 28-08-2008. Segundo ele, "o problema é que, além de causar ruídos desnecessários e nocivos ao investimento privado, pode-se tomar, de forma prematura e equivocada, importantes decisões de ordem estratégica, com prejuízo às futuras gerações. Que tal se concentrar primeiro em como melhor viabilizar a extração do petróleo, ao invés de ficar discutindo em como empregar sua receita?".
Eis o artigo.
Ainda demorará anos para que o petróleo possa ser extraído da camada pré-sal e o investimento para tanto será considerável. Entretanto, pela intensidade do debate em torno do tema, parece que isto já estaria para acontecer. Já a discussão tem sido pontuada por algumas proposições equivocadas, que merecem análise.
1) É necessária a criação de nova empresa para administrar as reservas.
Pelo atual arcabouço legislativo as reservas já pertencem à nação e o governo tem total flexibilidade de administrar sua exploração como lhe convém, em regime de concessão, de partilha ou de simples remuneração pela extração. Sob um ponto de vista gerencial e econômico, a criação de uma nova empresa é desnecessária. Tudo indica que a motivação para tal seja de cunho político e ideológico. Trata-se de esvaziar a ANP, retornando o poder normativo ao Executivo. O governo já deu claros sinais de que não vê com bons olhos o modelo em vigor de agências reguladoras independentes, preferindo voltar a centralizar as decisões de caráter estratégico. A criação das agências foi motivada pelo processo de privatização, com o setor privado assumindo os investimentos antes executados pelas empresas estatais e necessitando, para tanto, de segurança e estabilidade das regras do jogo o que, historicamente, não acontecia no país com o modelo centralizador. Hoje, dado o bom momento econômico, o risco-Brasil não está na ordem do dia. Logo, fora um maior custo operacional, mitigado caso esta nova empresa seja constituída somente como um escritório com poucos funcionários, esta nova estratégia não deverá causar danos imediatos. Já a médio e longo prazo a conversa é outra. Ao esvaziar as agências reguladoras o governo aumentará o risco percebido, reduzindo os investimentos privados e gerando novos argumentos para ele mesmo assumir as rédeas do processo, em um círculo vicioso, de volta a um modelo que já fracassou no passado. O que leva a crer que agora as coisas seriam diferentes?
2) A nova empresa aumentaria os ganhos para o país.
A tese é que ao manter o direito sobre as reservas extraídas, o governo e a nação ganhariam mais do que no regime atual de concessão, no qual elas passam a ser comercializadas pela empresa exploradora. Esta afirmativa não se sustenta. Em um leilão competitivo e transparente a empresa concessionária oferecerá um preço que levará em conta a expectativa de retorno, ajustado pelo risco da operação. O governo estará vendendo reservas em uma combinação de preço e royalties que lhe maximizaria a receita. Suponha que ele considere este preço baixo e opte por pagamento pelos serviços de exploração. Neste caso ele estaria comprando as reservas ao preço que seria pago pela concessão, que é seu custo de oportunidade. Esta alternativa só aumentaria o seu ganho líquido caso as empresas operadoras sistematicamente subestimassem o retorno esperado, o governo tendo maior capacidade de acerto face à realidade do mercado. Hipótese difícil de ser levada a sério. A assimetria de informações de fato existe, mas tende a privilegiar as operadoras que atuam visando o lucro e não o governo, que tende a ser guiado por motivações políticas.
3) Refinar o petróleo e exportar derivados é preferível a vendê-lo em bruto.
Por trás desta proposição está a idéia de que adicionar valor ao produto primário é sempre recomendável. Não é verdade. O Brasil pode ser claramente eficiente, tendo forte vantagem comparativa, na produção da matéria-prima sem que o mesmo ocorra na produção de seus derivados. Se o preço do óleo cru se mantiver acima de seu custo de extração e evoluir menos do que a taxa de juros real (o que tem sido válido no longo prazo), vale a pena extraí-lo e vendê-lo. Já o refino é altamente intensivo em capital, ainda caro no Brasil. Como o petróleo é facilmente obtido, a preço transparente e competitivo, em mercado, o custo de capital passa a ser dominante na equação do refino, não sendo óbvio que exista vantagem comparativa em subir um ou mais degraus na cadeia de produção. Na determinação dos projetos a serem executados, extração e refino deveriam ser listados junto a todas as demais alternativas de uso dos recursos e desta forma avaliados. Não há nada que garanta que investir em refino para exportar derivados ao invés de óleo cru seja o melhor uso dos recursos escassos do país quando comparado às demais alternativas disponíveis.
4) Os recursos do pré-sal devem ser vinculados a fins específicos.
Apesar da extração do petróleo estar anos e dezenas de bilhões de dólares à frente, já se propõe vincular as futuras receitas a finalidades específicas. Ora, um dos graves problemas atuais de gestão orçamentária é a excessiva vinculação, pela qual grupos de interesse se apropriaram automaticamente de parcelas da receita fiscal. O que difere a receita de royalties do pré-sal de outra qualquer do governo? Por que já vincular o seu uso, quando, anos à frente, as prioridades do país poderão ser outras? Hoje, por exemplo, seria recomendável que a receita fosse utilizada no abatimento da dívida pública e na redução de taxas de juros, colaborando com a política monetária e beneficiando toda a economia. Já daqui a dez anos quem pode afirmar o que será prioritário? Infra-estrutura, saúde, educação, fundo soberano? Dinheiro não tem carimbo e será melhor avaliar o uso da receita do pré-sal, quando ela ocorrer, em conjunto com todo o orçamento público. Aumentar, ainda mais com tanta antecedência, o grau de vinculação da receita do governo é temerário e contraproducente.
A discussão está sendo política e ideológica. O problema é que, além de causar ruídos desnecessários e nocivos ao investimento privado, pode-se tomar, de forma prematura e equivocada, importantes decisões de ordem estratégica, com prejuízo às futuras gerações. Que tal se concentrar primeiro em como melhor viabilizar a extração do petróleo, ao invés de ficar discutindo em como empregar sua receita?
(Por Claudio Haddad *, Adital, 01/09/2008)
* Diretor-presidente do Ibmec São Paulo e presidente do Conselho da Veris Educacional S.A.