Especialistas vêem produção relevante só a partir de 2014 e possível uso eleitoral do petróleo na campanha de 2010Para governo, prioridade é definir situação de áreas já leiloadas para que empresas comecem a investir imediatamente.l
Especialistas em petróleo alertam de que o governo pode estar gerando uma falsa expectativa em relação à camada de pré-sal de olho na campanha política de 2010. Segundo eles, só haverá produção relevante nos campos a partir de 2014 e, mesmo assim, ela estará garantida apenas se o governo definir um modelo que atraia investidores externos. Para isso, eles defendem que o melhor caminho é manter as regras atuais.
Do lado do governo, ministros envolvidos na discussão dizem reconhecer que no mandato de Lula não entrará praticamente nada de recursos do pré-sal no caixa do Tesouro, mas contestam os especialistas afirmando que a economia já sentirá os efeitos desse petróleo nos próximos dois anos.
Motivo: as empresas petroleiras terão de investir forte em 2009 e 2010 para garantir a exploração dos campos em 2011 e 2012, já no mandato do sucessor de Lula. Daí porque o governo avalia que a prioridade agora é definir claramente como ficará a situação das áreas já leiloadas, para que as empresas invistam imediatamente.
Para obter recursos de investimento para o governo e para a Petrobras, por exemplo, o Ministério da Fazenda estuda lançar títulos recebíveis no exterior lastreados na receita futura do petróleo. Mas só para investimentos. A idéia inicialmente discutida de antecipar receita para gasto corrente em educação, por exemplo, foi descartada por Lula. Ele avalia que seria acusado de gastar hoje uma verba ainda não certa.
Política"O governo está com uma plataforma eleitoral. É extemporâneo, estamos a seis ou sete anos de uma produção significativa. Não é hora de falar o que fazer com o dinheiro", disse o pesquisador Giuseppe Bacoccoli, da Coppe/UFRJ.
Na avaliação do pesquisador, ainda há várias incógnitas a respeito da produção na camada pré-sal: custo dos poços, como aproveitar o gás e se haverá disponibilidade física de equipamento para a produção. Bacoccoli disse que, por conta dessas incertezas, é difícil estimar o custo total de produção, mas fez uma projeção de que poderá ficar entre US$ 200 bilhões e US$ 300 bilhões.
O pesquisador reconhece, porém, que, mesmo que o preço do barril de petróleo caia, dificilmente a exploração do pré-sal deixará de ser vantajosa. "O preço do petróleo deve cair, mas não tanto. Não cai muito abaixo dos US$ 100 [por barril]. Certamente vai ser econômico." Ele avaliou que o pré-sal é economicamente viável com petróleo na casa de US$ 50 ou US$ 60 por barril -atualmente está cotado a cerca de US$ 115.
"Politizou-se muito a questão. Não está mais ligada à dinâmica do processo, são razões políticas", disse o professor Saul Suslick, do Cepetro (Centro de Estudos do Petróleo), da Unicamp. "Essa politização pode complicar, porque pode atrapalhar o fluxo de investimentos no setor", afirmou.
De acordo com a avaliação de Suslick, só depois dos testes que serão realizados pela Petrobras a partir de fevereiro do ano que vem é que se poderá ter uma idéia de como será a extração de óleo no pré-sal. Para o professor, a exploração no pré-sal seria viável com o barril de petróleo cotado a até US$ 80.
"Lobby"Na última semana, o governo evitou comentar publicamente os estudos sobre o novo modelo de exploração do petróleo no país. Reservadamente, no entanto, ministros contestam os especialistas lembrando que pelo menos no complexo da bacia de Santos há estimativas seguras de que existe um reservatório que pode girar entre 50 bilhões e 70 bilhões de barris de petróleo, bem acima das reservas brasileiras atuais, de 14 bilhões de barris.
Além disso, avaliam que simplesmente manter as regras atuais seria entregar a riqueza do pré-sal às empresas petrolíferas, em detrimento do interesse da população brasileira. "Nesse lobby não vamos cair", disse um ministro.
Para a advogada Sônia Agel, do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel, o governo precisa ter muita cautela na discussão. "Estão tratando de forma simples um tema que é bastante complexo", avalia Agel, ex-procuradora da ANP (Agência Nacional do Petróleo). "E o pior é que isso tudo está acontecendo em um momento que o atual modelo está dando certo", disse.
(Por Humberto Medina e Valdo Cruz,
Folha de São Paulo, 31/08/2008)