O secretário estadual do Meio Ambiente, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, saiu do Ministério Público e foi para o governo do Estado, em maio de 2007. Acostumado a cumprir prazos, ele destaca que agilizou os licenciamentos ambientais - a fila de espera era de 12 mil processos, hoje, segundo Brenner, ela inexiste. Há 400 licenças ambientais em análise.
O próximo desafio será reverter o histórico problema de déficit de funcionários. O quadro da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) conta com 236 servidores. Na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) são 260, sendo 160 técnicos atuando nos licenciamentos ambientais. A Fundação Zoobotânica (FZB) possui 210 funcionários, o Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas (Defap), 38, e o Departamento de Recursos Hídricos (DRH), 12. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, Brenner de Moraes rebate queixas de ambientalistas e associação de servidores quanto à pressão política para liberação de empreendimentos e fala sobre a polêmica do zoneamento da silvicultura.
Jornal do Comércio - Como está o quadro da Sema?
Carlos Otaviano Brenner de Moraes - A Secretaria Estadual do Meio Ambiente foi criada em 1999 e resultou de um agrupamento de servidores, que vieram para o DRH, o Defap, além de duas fundações já existentes, a Fepam e a Fundação Zoobotânica. Cada um desses entes tem sua disciplina jurídica. Essa desigualdade provocou uma falta de padronização na relação que o Estado mantém com os seus servidores da área ambiental.
JC - Na gestão passada chegou a se falar em unificação desses órgãos ambientais. O que o senhor acha?
Brenner de Moraes - A idéia é boa. Mas a qualidade dos serviços deve ser melhorada. Criamos o balcão de licenciamento ambiental unificado, mantivemos o DRH, o Defap, a FZB e a Fepam. Através do balcão, haverá sempre um único processo e protocolo. Enquanto isso, estamos integrando os órgãos ambientais. Isso potencializa os recursos humanos, que passam a trabalhar sob o mesmo objeto. A unificação do processo também dá transparência.
JC - Por quê?
Brenner de Moraes - Quando o processo é de um técnico no DRH, de outro técnico no Defap, e de outro na Fepam, corre-se o risco de existir aquele sentimento patrimonialista - "O meu processo, a minha licença". Mas deve ser um documento público. Assim, o servidor do Defap vê o que faz o da Fepam, o da Fepam vê o que faz o do Defap, o da Fepam vê o que faz o do DRH. Em termos de gestão, é uma medida de transparência.
JC - Quanto tempo demorou para implantar esse processo?
Brenner de Moraes - A idéia de criar o balcão ambiental já estava no programa da governadora. A idéia original era a unificação dos serviços. Quem viesse aqui, não interessava o tipo de licença, seria atendido por um único setor, o balcão ambiental. Só que para dentro continuava dependendo de ir para a Fepam, para o DRH, não havia a integração dos serviços, continuava tendo os três processos, três protocolos. Então, aperfeiçoamos a idéia original, também para dentro, integrando os servidores e unificando a atuação mediante um único processo e protocolo.
JC - Quando foi aberto o primeiro balcão?
Brenner de Moraes - Em setembro de 2007, em Alegrete. Outra questão importante: o licenciamento ambiental deve atrair, e não repelir as pessoas. Quando dificultamos o processo de licenciamento, a dinâmica da vida impõe, pela necessidade econômica, desenvolver a atividade, e o sujeito faz isso à margem da regulação ambiental. Então, temos que descentralizar os serviços. Antes do balcão, o poder de licenciamento era concentrado em Porto Alegre. Hoje, no Interior, onde tem balcão, os servidores também licenciam e passam a ser responsáveis pela fiscalização dos objetos licenciados, ampliando a própria fiscalização ambiental.
JC - E os outros pontos com balcão ambiental?
Brenner de Moraes - O segundo foi em Porto Alegre, em março, o terceiro em Santa Cruz do Sul, o quarto em Tramandaí. Até o final do ano pretendemos instalar outros dois, possivelmente próximo a Passo Fundo, Santa Rosa.
JC - Quantos municípios já têm licenciamento local?
Brenner de Moraes - Tem 202 municípios. Aqui, fazemos um acompanhamento para que o município possa assumir essa gestão. Em razão disso, temos mais de 600 técnicos municipais, que integram um conjunto de pessoas que exercem funções na área de proteção do meio ambiente. É um incremento considerável, praticamente o dobro do nosso contingente de secretaria, junto à Fepam e ao DRH.
JC - Existe um plano de cargos e salário unificados?
Brenner de Moraes - A governadora tem anunciado que a principal meta é zerar o déficit e, em 2009, deve ser o ano de evolução nas carreiras. O primeiro passo nesse sentido foi o de aproveitamento do concurso realizado no ano passado. Estamos recrutando 54 técnicos administrativos. São profissionais que irão participar da administração da secretaria. Enviamos um projeto de lei criando cargos até então inexistentes, exatamente pela juventude da secretaria. Técnicos ambientais obviamente aparecem e guarda-parques. Assim, temos 88 no total, 34 guarda-parques e 54 técnicos ambientais. A governadora também autorizou um concurso de técnicos para a Fepam, que será o terceiro na história de 18 anos da Fundação e o da Sema será o primeiro.
JC - E plano de carreira?
Brenner de Moraes - Não temos nem pessoal suficiente para elaborar o plano de cargos e salários, nosso contingente é muito pequeno. E o conjunto do serviço público estadual está em uma idade média, mais a caminho da aposentadoria do que para baixo, o que nos impõe um recrutamento de pessoal.
JC - Nem sempre os concursados permanecem no Meio Ambiente porque há melhores oportunidades salarias em outras entidades. Isso pode se repetir?
Brenner de Moraes - Enquanto não tivermos uma melhoria substancial em vencimento, esse é um risco de todos os concursos no setor público patrocinados pelo Executivo. Entre esses 54 contratados, tem vindo gente qualificadíssima, não sei se vão permanecer.
JC - Como está o número de licenciamentos? Quantas licenças estão à espera?
Brenner de Moraes - Quando chegamos, havia uma grande desordem na Fepam. Milhares de processos parados há três, quatro, cinco anos. Um dia se descobriram mais de mil processos de mineração guardados num armário. Houve uma demanda enorme, que se aproximava de 12 mil processos. Uma boa parte deles, talvez 50%, acabou, não tem mais interessado, há cinco anos ninguém procura. Depois, Ana Pelini (presidente da Fepam) fez uma publicação avisando os interessados de processos que estavam há um ou dois anos parados. E se constituiu uma força-tarefa. Havia reclamações, a licença estava apta, faltava quem digitasse. Tinha carro, mas não motorista. A força-tarefa serviu para resolver tarefas que não eram de natureza técnica. Vieram de outras secretarias pessoas que dirigiam automóvel, que procederam serviços de escritório, documentação. Deixavam no térreo uma solicitação de licença, levava 30 dias para chegar na Fepam. Esse foi um dos atos que considero mais importantes, uma disciplina na questão administrativa. Ainda não é instantâneo, mas se diminuiu esse tempo.
JC - E as críticas de servidores e ambientalistas de que a secretaria estaria valorizando mais a produtividade do que a responsabilidade.
Brenner de Moraes - Não é justo isso. Nós - eu, Francisco (Simões Pires), que é o adjunto, e a Ana Pellini, na Fepam - viemos de uma outra cultura. Eu cumpro prazo no MP. O Francisco a mesma coisa. A Ana vem da Cage. Então, quando nos deparamos com falta de disciplina administrativa, um caos, processos guardados em armários, pilhas de documentos em caixas para serem juntadas aos processos, claro que se fez uma ordenação. Isso não significa que se dê prioridade ao licenciamento ambiental. A prioridade é o respeito. Por isso, o serviço ambiental não deve ser visto, e muitas vezes é, como um problema. O meio ambiente tem que ser motivo de união. Agora, isso não significa que não se busque a convergência naquilo que é possível. Tem questões em que a proteção ambiental é maior e o interesse econômico, social tem que se condicionar. Outras vezes, a questão ambiental tem que compreender a grandeza econômica e social e procurar esse mesmo ajuste.
JC - E na silvicultura?
Brenner de Moraes - É uma realidade de mais de 100 anos no Rio Grande do Sul, o eucalipto tem 100 anos, a acácia negra tem 80 anos, o pinus tem 50 anos. A estimativa é que eles hoje ocupem cerca de 550 mil hectares. O licenciamento ambiental para esses plantios só começou nos últimos três anos. Esses 550 mil hectares estavam em completa revelia de qualquer monitoramento, disciplina, verificação da adequação ambiental.
JC - O senhor está dizendo que hoje já existem mais 500 mil hectares plantados?
Brenner de Moraes - Exato. A expansão dessa base florestal deve ser da ordem de 360 mil. Cada uma das três grandes empresas apresentou o estudo do pacto ambiental que congrega aquilo que pretendem. É de se supor que em 2011 estejamos atingindo 900 mil hectares (de eucaplito, pinus e acácia negra) no Rio Grande. Dois terços disso, sem prévio licenciamento. As maiores críticas são que o eucalipto seca, que a monocultura acaba com a biodiversidade. Não sou da área, mas raciocino e busco informação. Olhando para trás, não se encontra um único vestígio de malferimento, de agressão, de prejuízo à qualidade do ambiente em face desse plantio. Então, se o passado não nos recomenda, e se no futuro se pretende que haja monitoramento, com disciplina feita através do licenciamento num Estado que tem 20 milhões de hectares agricultados, em que 4 milhões são soja... São dados da vida real que não se pode fugir.
JC - E a informação de que as empresas já teriam comprado terras em algumas áreas que não estariam entre as indicadas pelo zoneamento para o plantio de eucalipto...
Brenner de Moraes - Não acredito que isso seja procedente. A polêmica na questão de localização de terras ocorreu pela área (na faixa) de fronteira.
JC - Mas se licenciou áreas para plantio que deveriam ser de preservação?
Brenner de Moraes - Não tenho conhecimento de licença que tenha sido indeferida porque não se pudesse plantar em determinada área. Tem áreas que não há como impedir as licenças. A minha formação jurídica tem mostrado a importância de perceber essa intervenção que o Estado faz, através dos serviços ambientais, no âmbito de liberdade das pessoas, no que diz respeito ao empreendimento, à iniciativa, ao patrimônio. Então, quando uma pessoa pede um licenciamento ambiental, tem que ter o mínimo de previsibilidade quanto às possíveis exigências que possam ser feitas, quais os cenários com que vai se defrontar. Mas se quisermos, no zoneamento, estabelecer todas as condicionantes, corremos o risco de imobilizar, porque padronizando não enxergamos a situação concreta de cada uma das propriedades. Tem propriedades que têm área de preservação. Há outras que são só com campo aberto. E das licenças concedidas pela Fepam hoje, mais ou menos 50% se transformam em área de preservação.
JC - A questão ambiental não vai ser problema para esses grandes investimentos?
Brenner de Moraes - Não vejo a questão ambiental como entrave, mas não significa que não seja objeto de vigilância. Às vezes, se dá a entender que é só trazer um papel que damos licença para plantar. Não é assim.
JC - Tem a licença das três plantas industriais...
Brenner de Moraes - Por enquanto, só a da Aracruz.
JC - A Votorantim e a Stora Enso ainda não pediram?
Brenner de Moraes - Nada. Suponho que a Votorantim esteja fazendo um estudo do impacto ambiental da área que ela pretende. A situação difícil seria a da Stora Enso.
JC - A Associação dos Servidores da Fepam (Asfepam) se queixa de pressão política para liberação de licenças.
Brenner de Moraes - Logo após a nossa chegada, fiz questão de tomar conhecimento de quais eram as questões mais importantes. E convidei o presidente da Asfepam para participar desse debate. Só que nunca mais fui procurado. Se, de fato, ocorressem fatos de tamanha gravidade, como são anunciados através da imprensa, e o dirigente com responsabilidade me fizesse conhecê-los... Quanto à mudança de pessoal, quando chegamos aqui, a direção do Defap era exercida pela coordenadora do programa da Mata Atlântica. Queríamos que Vera Pitoni tivesse uma dedicação exclusiva para assegurarmos a renovação de um processo que está em pleno curso. Então, ela saiu e Luis Alberto Mendonça assumiu como diretor, mas sabendo de sua interinidade, até que se obteve o atual diretor, que é Rafael Ferreira, um professor universitário, da área florestal. No DRH, houve uma mudança de Ivo Melo por Paulo Renato Paim, porque Ivo Melo quer concorrer a prefeito, não temos como cerceá-lo. Na Fundação Zoobotânica, Luiz Gueller, se quisesse, teria continuado. Sempre tivemos excelente relacionamento, mas, por questão pessoal, ele saiu. Essas modificações, em absoluto, tiveram relação com intervenção no âmbito da secretaria. Se houvesse de fato uma predisposição a uma postura de assédio sobre os servidores, se começaria evidentemente pelos comandos de cada um desses grupos. A coisa é tão irreal que, se de fato, isso acontecesse, não seriam sempre as mesmas e pequenas vozes que estariam se manifestando. Temos que cuidar um certo aproveitamento político da questão ambiental.
JC - O meio ambiente costuma ser considerado uma secretaria "menor". Na crise, o senhor foi convidado para outras secretarias?
Brenner de Moraes - Não. As fofocas, às vezes, quase viram verdade. O meio ambiente sempre foi visto como problema. Mas a governadora Yeda Crusius tem feito dele uma prioridade.
(Jornal do Comércio, 01/09/2008)