O forte do governo Lula nunca foi a organização, a racionalidade, a clareza. São os instintos de Lula que o guiam, para o bem e para o mal. No debate do pré-sal, temos a desorganização de sempre. E os instintos de Lula. Que viram na promessa de petróleo abundante nas profundezas da costa o combustível para o projeto (este bastante racional) de manutenção do poder petista.
Sabemos muito pouco da extensão, da viabilidade e da forma de exploração dessas reservas. Mas Lula já sabe que os petro-reais servirão para "fazer reparação aos pobres deste país" e "resolver definitivamente o problema da educação neste país".
Seu governo, que colocou Haroldo Lima na Agência Nacional de Petróleo neste momento tão momentoso do setor, agora prepara as propostas para o pré-sal que irão ao frágil crivo de nosso combalido, para dizer o mínimo, Congresso Nacional.
Apesar de tantas incógnitas, o plano (político) de Lula e do PT para o pré-sal está pronto: nós formatamos o modelo que irá "resolver definitivamente" os problemas do país e vocês eleitores nos mantêm no poder para que possamos executá-lo, seja com Dilma ou um(a) outro(a) petista.
A escolha do modelo de exploração norueguês como fonte inspiradora é acertada, já que o país é dos poucos grandes produtores que usam com eficiência a riqueza petroleira.
Mas o modelo norueguês tem alicerces profundos no coletivismo e na prudência escandinavas, características pouco vistas entre nós. Já se olharmos para países com desenvolvimento mais parecido com o nosso veremos que muita coisa pode dar errado. O risco é contrairmos a disseminada "maldição do petróleo".
A doença, já bem diagnosticada por cientistas sociais mundo afora, assola nações petroleiras africanas (Nigéria, Guiné), sul-americanas (Venezuela), asiáticas (Cazaquistão, países do Golfo) e mesmo européias (Rússia), onde a imensa riqueza mineral perpetua no poder regimes autoritários e/ou cleptocráticos enquanto pouco ou nada faz contra a pobreza e as desigualdades.
É esse o primeiro caminho que precisa ser fechado para as riquezas do pré-sal. O debate deve ser suprapartidário, apolítico, técnico. Os desafios são épicos: um petróleo que está 200 km mar adentro, numa profundidade de 7.000 metros, cujo custo de exploração pode chegar a US$ 600 bilhões.
E se o instável preço do barril de petróleo, hoje perto dos US$ 120, cair a US$ 70 em cinco anos? Será viável explorar o pré-sal nesses preços? E se o dinheiro começar mesmo a jorrar, podemos ainda contrair aquela outra doença, a "holandesa": graves desequilíbrios econômicos gerados pela receita extraordinária obtida pela exportação de uma commodity super valorizada que super valoriza o câmbio e mata outras indústrias.
Como se vê, as incertezas e os desafios são tantos que é imprescindível sobriedade máxima neste momento decisivo.
(Por Sérgio Malbergier,
Agência Folha, 28/08/2008)