Destino da reserva da Raposa Serra do Sol desperta interesse na mídia estrangeira. Para o inglês "The Guardian", o destino das tribos da Amazônia está em julgamento enquanto o Brasil aguarda a decisão do STF. Já o francês "Le Monde" destaca a preocupação de militares brasileiros com áreas de fronteira.
Em pauta desde o final de 2004, a luta pela homologação da Raposa-Serra do Sol em área contínua reaparece na imprensa internacional diante do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal que vai balizar critérios para a demarcação da terra indígena. A reserva de 1,7 milhão de hectares na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana foi criada em 2005 por um ato do presidente Lula, mas a demarcação das terras é contestada agora no STF, que deve anunciar decisão esta semana.
Em reportagem publicada na edição de 27 de agosto, o jornal britânico The Guardian afirma que o "destino das tribos da Amazônia está em julgamento enquanto o Brasil aguarda acórdão sobre reserva". “O Brasil aguarda a iminente decisão sobre o futuro de uma das suas maiores reservas indígenas”, abre a matéria do Guardian, de Tom Phillips, correspondente no Rio de Janeiro. “É esperado que o Supremo Tribunal Federal anuncie seu veredicto amanhã (quinta), em processo interposto por um grupo de agricultores, empresários e políticos que afirmam que a criação da reserva Raposa Serra do Sol, em 2005, foi ‘inconstitucional’”.
Segundo Phillips, estes mesmo agricultores apontam a demarcação como um obstáculo ao desenvolvimento econômico brasileiro e afirmam que possuem numerosos indígenas entre os seus empregados. O Guardian denuncia que a violência na região eclodiu no início de 2008, “após o governo tentar eliminar todos os não-indígenas da reserva. Pontes foram queimadas e um grupo de indígenas foi alvo de tiros, disparados possivelmente por pistoleiros contratados por agricultores locais”.
A matéria prossegue: “Ativistas dizem que uma decisão que reduza o tamanho das reservas indígenas iria incentivar ainda mais invasões por garimpeiros, madeireiros e fazendeiros”. Fiona Watson, militante da Ong Survival International, entrevistada por Phillips, afirmou que “uma decisão a favor dos agricultores poderia destruir os indígenas, seu modo de vida e definir um catastrófico precedente para índios em todo o Brasil". O texto encerra indicando que, no ano passado, um militar brasileiro não identificado teria dito ao correspondente que as forças armadas brasileiras acreditavam que narcotraficantes poderiam aproveitar a ausência do Estado na área indígena e utilizar as comunidades no contrabando de cocaína para o Brasil. “Muitos altos responsáveis das forças armadas vêem a reserva - localizadas ao longo de fronteiras - como uma ameaça à segurança nacional”, encerra o texto.
Um outro artigo, publicado pelo francês Le Monde, também ressalta a preocupação militar com áreas de fronteira. “Um conflito agrário dentro dos limites da Amazônia brasileira despertou a preocupação dos militares” é o título do texto assinado por Annie Gasnier, publicado no dia 9 de agosto de 2008. A primeira fonte citada pelo jornal é Jacir de Souza, liderança indígena. "Confiamos no Supremo Tribunal Federal porque estas terras são tradicionalmente ocupadas pelos índios, e foram entregues a nós", afirma Souza, que vive na reserva de Macuxí. O breve texto do Le Monde encerra explicando que o destino de 14 mil indígenas de cinco diferentes grupos étnicos está nas mãos dos juízes do STF.
Uma luta antiga
Há mais de 20 anos, as comunidades indígenas de Roraima lutam pela homologação da Raposa Serra do Sol em área contínua (o equivalente a 1,67 milhão de hectares), e não em ilhas, como querem os agricultores que invadiram as terras na década de 90. Além disso, a existência do município de Uiramutã, criado em 1996, e cuja sede está na terra indígena é outro entrave no caminho da homologação.
Em outubro de 2004, o jornal The New York Times já havia pautado o assunto. Em 15 de outubro daquele ano, Larry Rohter escreveu um artigo intitulado “Batalha dos índios brasileiros: ‘Esta terra é nossa terra’”. Na época, segundo Rohter, colonos brancos ignoraram os avisos que proclamam a fronteira das aldeias como "terra protegida" e construíram uma pista, uma fina escola técnica, uma prefeitura e lojas, tudo protegido por uma nova base militar. “Agora, os recém-chegados à terra estão usando o sistema judiciário para tentar expulsar os índios a partir de partes da reserva. Aproveitando vantagens burocráticas e lacunas na lei, essas pessoas, lideradas por poderosos plantadores de arroz e fazendeiros, têm persuadido juízes simpáticos a fim de ordenar os índios deixem as terras que têm ocupado por gerações”.
“O confronto apresenta o primeiro grande teste do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na direção de políticas para os povos indígenas do Brasil. (...) Criar uma reserva indígena no Brasil é um procedimento complexo que pode facilmente ser prorrogado por uma década ou mais”. A previsão se confirmou, antevendo o complexo processo que se desenvolve agora, com o julgamento da ação que pede a anulação da portaria que definiu a demarcação contínua da reserva indígena.
(Por Clarissa Pont, CartaMaior, 27/08/2008)