Relatório de secretaria recomenda a proibição de transferência de recursos a entidades
Texto enviado à Casa Civil diz não ser "possível saber se uma mesma organização celebra convênios com várias esferas de poder
Relatório da Secretaria Nacional de Justiça sobre a atuação das ONGs na Amazônia Legal admite que há "deficiências ou ausência de controle das pessoas jurídicas sem fins lucrativos que atuam na região", aponta atuação irregular de estrangeiros no local e recomenda a "proibição de realização de transferência de recursos públicos" para tais organizações.
Segundo o relatório, obtido com exclusividade pela Folha, há "inúmeros convênios entre o poder público e ONGs sob investigação em razão de desvio de finalidade". Tais desvios "decorrem da fiscalização deficiente ou existente apenas sob o aspecto formal". Ou seja, não se tem conhecimento sobre a real finalidade e até mesmo sobre a existência de entidades.
A página 35 do documento diz: "Não há base de dados confiáveis sobre as ONGs, seja na Amazônia Legal ou no restante do país. Assim, na prática, não é possível saber se uma mesma organização celebra convênios com várias esferas de poder".
Elaborado sob a coordenação do secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, vinculado à pasta da Justiça, o relatório diz que há 16.825 ONGs no país, sendo 690, nacionais e estrangeiras, credenciadas para atuar na Amazônia.
Entre as propostas para controlar a atuação das entidades constam medidas para restringir a venda de terras a estrangeiros. "Não há nenhuma intenção de criminalizar as ONGs. A proposta objetiva do governo é fazer algo que ninguém antes teve coragem de fazer, que é propor mecanismos de regulamentação, o que vai acabar favorecendo as ONGs sérias que prestam um trabalho relevante para a sociedade", disse Tuma Jr. A equipe de técnicos listou 23 irregularidades, entre as quais estão:
1) Desvio de recursos financeiros repassados; 2) Não-cumprimento dos convênios e má gestão; 3) Uso de entidades de fachada para comércio ilegal de terras e biopirataria; 4) Fraude em licitações; 5) Uso de notas fiscais frias; 6) Ligações nebulosas com políticos; 7) Contrabando de minerais; 8) Controle indireto de terras amazônicas, registradas por empresas brasileiras, mas sob o controle de estrangeiros.
A fiscalização é partilhada por municípios, tribunais de contas e Ministério Público. No caso de entidades qualificadas como Oscip (Sociedade Civil de Interesse Público), o responsável é o Ministério da Justiça. O relatório não cita nenhuma organização que tenha cometido fraudes -segundo o secretário, os nomes foram enviados à Polícia Federal.
Entre as medidas propostas para criar dispositivos de controle sobre as ONGs, começando pelo seu recadastramento no Ministério da Justiça, o relatório propõe à Casa Civil que seja formulado um marco regulatório para a atuação das organizações na Amazônia Legal.
A idéia é que tal marco contemple: definição de limite de terras para concessão a estrangeiros; vincular a aquisição de imóveis na Amazônia Legal à função social da propriedade; obrigação dos cartórios de informar o Ministério da Justiça sobre transações imobiliárias na região; e "proibição de realização de transferência voluntária de recursos públicos para pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos".
Sobre a presença de estrangeiros nas entidades, o diagnóstico aponta grande discrepância entre os dados da Funai e da Polícia Federal: de 127 autorizações concedidas a estrangeiros pela Funai, 81 não estão nos registros da PF.
(Por Andréa Michael, Folha de São Paulo, 28/08/2008)