"Segundo meu voto, toda aquela área é indígena", disse o relator Ayres Britto, decidindo a favor de índios. Pedido de vista do ministro Menezes Direito posterga julgamento sobre a demarcação contínua da terra indígena em Roraima
Foi adiado o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo pedido de vistas do ministro Menezes Direito sobre o relatório do processo, feito por Carlos Ayres Britto. Ao longo da tarde desta quarta (27), o relator votou pela improcedência da petição 3388, apresentada ao STF pelo senador petista Augusto Botelho (RR).
A votação sobre a petição de Botelho servirá para que o STF dê um ponto final às mais de 30 ações que tramitam no tribunal com relação ao tema. Caso a decisão final seja desfavorável à demarcação de Raposa da forma como ela foi homologada pelo presidente da República, em 2005, também poderá servir como parâmetro para futuras ações contra outras terras indígenas. Por isso, o julgamento é acompanhado com apreensão por defensores da causa indígena de todo o país.
Com mais de 100 páginas, o voto do relator Ayres Brito foi favorável à manutenção de Raposa como área contínua. Ele defendeu o laudo antropológico que fundamentou a demarcação, negando que ele contenha "vícios". Também determinou que seja cassada a decisão liminar do STF que, em abril, paralisou a operação de retirada dos não-índios da reserva.
Ele acatou os argumentos antropológicos em favor da demarcação em área contínua - lembrou, por exemplo, que a Antropologia há muito já demonstrou que as formas indígenas de ocupação da terra são plenamente compatíveis com a preservação ambiental. Isso devido a questionamentos que surgiram pelo fato de a área de Raposa coincidir parcialmente com o Parque Nacional do Monte Roraima. Também citou declarações recentes do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, publicadas na imprensa, a respeito do sentido de justiça histórica que a demarcação de Raposa representa.
O relator ainda mostrou a improcedência de diversas alegações apresentadas na petição de Botelho e em outras ações contra a terra indígena, movidas pelo Estado de Roraima. Por exemplo, Ayres Brito mostrou que é contraditório o estado alegar que sofreria economicamente com a retirada das lavouras da área demarcada pois concede isenção fiscal para os agricultores.
Ele também mostrou em seu voto que as fazendas hoje dentro da área indígena foram sendo progressivamente ampliadas ao longo do século passado, expulsando os índios de suas terras de ocupação tradicional. Chamou a esse processo de "esbulho". E negou a idéia de que os índios sejam uma "ameaça à soberania nacional": jogou a responsabilidade pela vigilância das fronteiras da região para o governo federal, lembrando que, historicamente, e segundo a própria Constituição, não há nada que impeça Forças Armadas ou Polícia Federal de entrar na área indígena para cumprir essa atividade.
Em entrevista coletiva logo após a sessão, Ayres Britto confirmou o sentido favorável aos índios de seu voto: "Segundo meu voto, toda aquela área é indígena".
E completou: "O direito mesmo é dos indígenas". O relator disse ainda que a demarcação de uma terra indígena em ilhas, como quer o Estado de Roraima e os fazendeiros, ou, "como queijo suíço", como comparou, "inviabiliza os desígnios da Constituição" em relação à garantia dos direitos indígenas.
Pela manhã, o julgamento foi iniciado por apresentações do ponto de vista dos índios e dos arrozeiros que se negam a abandonar a área de Raposa, além de falas do advogado-geral da União e do procurador-geral da República.
Para ler o voto do relator na íntegra,
clique aqui(Por Spensy Pimentel,
Repórter Brasil, 27/08/2008)