Enquanto os índios comemoraram com uma oração o primeiro voto favorável à manutenção da demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol, agricultores e representantes do governo de Roraima reclamaram do "tom ideológico" do relator do caso, o ministro Carlos Ayres Britto.
"Pelo menos ele não mandou me prender", disse o rizicultor e prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartieiro, um dos maiores fazendeiros da reserva e que chegou a ser detido no mês de maio por tentativa de homicídio e posse ilegal de arma na reserva indígena.
Logo depois da suspensão do julgamento no STF, Quartieiro reclamou das dificuldades que o Brasil impõe para os produtores rurais.
"Eu pago imposto para sustentar um monte de gente", lamentou. Mas, ao ler seu parecer, Ayres Britto disse que os rizicultores de Roraima estão isentos de ICMS até 2018. "O ministro foi muito rígido nas conotações. Mas o julgamento apenas começou", completou o governador de Roraima, José Anchieta Jr. (PSDB).
A defesa dos arrozeiros da região já se prepara para dissecar o voto do ministro Ayres Britto e preparar memoriais na tentativa de convencer os outros integrantes da corte que a demarcação não pode ser contínua.
"O pedido de vista é bom porque nos dá um tempo e mostra que o voto do relator não convenceu a todos", avaliou o advogado Luiz Albrecht.
O advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, contudo, acredita que o voto de Ayres Britto é "um voto difícil de se discordar".
O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Márcio Meira, classificou de "histórico" o relatório do ministro Ayres Britto.
"Ficamos muito emocionados com o voto dele, que norteará daqui para a frente o tratamento das terras indígenas", disse Meira ao final da sessão de ontem. Embora a Constituição tenha fixado prazo até 1993 para a demarcação das terras indígenas, mais de 100 processos não foram concluídos.
Segundo o presidente da Funai, os índios da reserva Raposa/Serra do Sol vão aguardar o final do julgamento do STF com "paciência democrática".
Meira disse contar com a ajuda da Polícia Federal para manter a tranqüilidade no local.
Também emocionada, a primeira advogada índia do país, Joênia Batista Carvalho Wapichana, fez questão de ligar para representantes das tribos em Roraima e contar que "estamos ganhando agora".
(Por Fernanda Odilla e Marta Salomon, Folha de São Paulo, 28/08/2008)