Defensores do fim de demarcação contínua dizem que reservas transformam Estado em território da União, que contesta
Procurador-geral defende documento feito pela Funai para embasar homologação e diz que laudo tem respaldo em documentos históricos
Enquanto os defensores do fim da demarcação contínua argumentaram ontem, no plenário do STF, que as reservas indígenas estão acabando com a autonomia de Roraima, governo federal e Ministério Público afirmaram que, ainda assim, o Estado ainda é maior do que outros, como Sergipe e Pernambuco, por exemplo.
Os dois lados opostos -formado por arrozeiros, políticos locais e governo estadual, de um lado, e por índios, governo federal e MP, do outro- também divergiram sobre a elaboração do laudo que possibilitou a demarcação da área. O documento que baseou a homologação começou a ser elaborado em 1992, com a participação de antropólogos, sociólogos, economistas e historiadores.
Para o ex-ministro do STF e advogado de Roraima, Francisco Rezek, tal laudo foi elaborado "nos corredores do Executivo". "Relatórios foram assinados por técnicos que nem lá estiveram. O laudo foi elaborado por meio do recorta e cola dentro de gabinetes de Brasília", completou Antônio Guimarães, um dos advogados que defenderam a revisão do decreto do presidente Lula, de 2005.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, cujo parecer foi pela manutenção da demarcação atual, refutou a tese: "O laudo da Funai encontra respaldo em todos os documentos históricos".
O advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, por sua vez, disse que Lula só homologou definitivamente a terra quase dois anos e meio depois de assumir a Presidência.
Rezek alegou que "Roraima é um Estado virtual. O governo federal vem tratando Roraima como se fosse seu quintal. Apenas 10% do território é jurisdição do Estado".
Toffoli rebateu que a média per capta de investimento do governo federal em Roraima é quase três vezes maior que a brasileira, citando o portal da Transparência. "Que sejam 10% de território sob a responsabilidade do Estado e 90% com a União. Isso é maior que um Estado como Sergipe, que é um Estado centenário", disse.
A sessão também foi marcada pela emotividade da primeira advogada índia da história a fazer uma defesa oral no STF. Joênia Batista Carvalho Wapichana surpreendeu ao começar sua fala em dialeto indígena. "A terra indígena Raposa/Serra do Sol representa a voz dos povos indígenas, que querem ver realmente aplicado o que já foi garantido há 20 anos", afirmou.
"O que nós cometemos para sermos julgados hoje? De pedaço em pedaço estão tirando nossas terras. E amanhã, como ficará isso?", questionou a índia.
(Por Fernanda Odilla e Felipe Seligman, Folha de São Paulo, 28/08/2008)