O voto do ministro Carlos Ayres Britto destacou a regularidade do laudo antropológico que fundamentou a demarcação da Raposa Serra do Sol, bem como da Portaria 534/05, do Ministério da Justiça, que estabeleceu os limites territoriais da área. O processo de julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Menezes de Direito. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, disse que a conclusão desse caso deverá ocorrer ainda neste semestre.
O ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, afirmou que as terras sempre foram indígenas: “O ato de demarcação foi meramente declaratório de uma situação jurídica preexistente, de direito originário sobre as terras. Preexistente à própria Constituição e à transformação de um território em estado-membro”, disse. O relator também sustentou que os rizicultores não têm direito adquirido sobre a área: “A presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensa área de solo fértil e degrada os recursos ambientais necessários à sobrevivência dos nativos da região”.
No voto, dividido em tópicos para facilitar a análise da matéria, ele citou pareceres e manifestações favoráveis à manutenção da Terra Indígena em área contínua, como as posições do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Vincenzo Lauriola, e da senadora Marina Silva.
O relator também contestou a tese de que “índio atrapalha o desenvolvimento”. Ele argumentou que cabe à União saber aproveitar a “cosmovisão” dos indígenas para o desenvolvimento: “Ao Poder Público não incumbe hostilizar, e menos ainda escorraçar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas, para diversificar o potencial econômico dos seus territórios e, a partir da culturalidade intraétnica, fazer um desafio da mais criativa reinvenção da sua história sócio-cultural", concluiu.
Antes do início do julgamento, cerca de 100 pessoas, entre representantes indígenas, do Movimento de Apoio ao Trabalhador Rural (MATR) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), manifestaram-se em frente ao STF com faixas de apoio à demarcação contínua e aos índios que vivem na reserva. A manhã foi marcada pela sustentação oral inédita de uma advogada indígena, a wapichana Joênia Batista de Carvalho, que falou pelas Comunidades Indígenas Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai.
Ela destacou a esperança em colocar um ponto final na violência vivida pela disputa das terras e a importância de se manter a demarcação já consolidada: “Nesses 30 anos, 21 lideranças indígenas foram assassinadas, casas foram queimadas, ameaças foram registradas. Nós somos acusados de ladrões, de invasores, dentro da nossa própria terra”.
Segundo a advogada, este é um momento histórico, já que a manutenção da demarcação em área contínua das terras tradicionais indígenas da Raposa – Serra do Sol representa a voz dos povos indígenas, que querem que seja aplicado o que já foi garantido há 20 anos, na Constituição: “Temos direitos. Porque só os povos indígenas têm que ser sacrificados e ter a terra retalhada? Pedaços e pedaços estão nos tirando. E amanhã, como ficará isso?”, questiona.
São cerca de 19 mil índios vivendo em 194 aldeias na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A Petição 3388 trata do tema questionado em mais de 70 ações, que contestam a demarcação contínua de 1,7 milhão de hectares, homologada em 2005 pelo governo federal.
Com o pedido de vista do ministro Direito de Menezes, não há prazo para que o tema volte a julgamento. O STF deve decidir se o procedimento formal de demarcação seguiu os trâmites legais e a conseqüente obrigatoriedade da saída de rizicultores e outros que ocupam irregularmente a área.
(ISA, 27/08/2008)