Alvo agora é a concessão de licença para Odebrecht construir Santo Antônio
Ofensiva ocorre um dia depois de Procuradoria pedir anulação do leilão e do contrato de concessão da usina hidrelétrica de Jirau
A Procuradoria da República em Rondônia prepara nova ofensiva contra outro projeto no rio Madeira. O MPF-RO (Ministério Público Federal) revelou ontem à Folha que investigará a concessão da Licença de Instalação dada na semana passada pela presidência do Ibama ao consórcio Mesa (Madeira Energia S.A.). Com a licença, o grupo Odebrecht, líder do consórcio, já pode iniciar a construção da hidrelétrica de Santo Antônio. A previsão é que isso ocorra em setembro.
A investigação agora está baseada no parecer técnico do Ibama que recomendou à presidência do órgão a não-concessão da LI. A existência do parecer só veio a público depois de reportagem publicada pela Folha. No parecer de 146 páginas, técnicos da agência ambiental federal elencam 13 condicionantes previstas na licença prévia que não foram atendidas ou que foram cumpridas parcialmente pela Madeira Energia.
Entre as medidas não atendidas, está a que garante a migração dos chamados grandes bagres, uma riqueza comercial da região amazônica que pode ser extinta com a construção da barragem ou mesmo com um sistema ineficiente de transposição. Para os técnicos do Ibama, tomado isoladamente, o descumprimento das condicionantes pelo Mesa não se configura "impeditivo grave", mas, vistas no contexto geral, essas "são numerosas e expõem uma certa insipiência do PBA (Projeto Básico Ambiental)".
"Instaurei um inquérito civil em relação a essa questão e devo, com 98% de chance, ajuizar uma ação porque não dá para um empreendimento seguir sem o cumprimento das condicionantes, senão deixam de ser condicionantes", disse o procurador Heitor Alves Soares.
A nova ofensiva ocorre um dia depois de o MPF ingressar na Justiça Federal de Rondônia com ação civil pública pedindo a anulação do leilão e do contrato de concessão da usina de Jirau, também no Madeira, arrematada pela Enersus (Energia Sustentável do Brasil), consórcio formado pelo grupo franco-belga Suez, as estatais Eletrosul e Chesf e a construtora Camargo Corrêa. Na ação, o Ministério Público quer ainda novo licenciamento ambiental para Jirau por considerar a mudança de 9,2 km do eixo da barragem uma quebra das regras previstas no edital do leilão, da Lei de Licitações e da legislação ambiental.
Erros e vícios
A nova ação pode ser a quarta que tramita na Justiça Federal em Rondônia contra as usinas do Madeira, complexo que injetará pelo menos 4.193 MW médios de energia no sistema brasileiro, volume considerado essencial para afastar o risco de abastecimento do país no início da próxima década.
Dois desses processos foram propostos ainda na fase inicial do licenciamento e aguardam julgamento de mérito. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, tem tentado evitar uma disputa judicial entre a Odebrecht e o grupo Suez (líder do consórcio vencedor de Jirau), mas não terá como evitar uma batalha jurídica com o Ministério Público Federal.
"Estamos vendo as coisas acontecerem de forma errada e não é a primeira vez que acontece. São erros sistemáticos, os vícios são sempre os mesmos. Alguns são de má-fé; outros, de falta de capacidade técnica de quem elaborou o projeto ou mesmo estudos feitos com pressa para cumprir o prazo de entrega. Sobram lacunas que mais tarde vão gerar problemas", disse o procurador, considerado em Porto Velho ponderado, mas firme no cumprimento da legislação ambiental.
Ontem, o Mesa não se pronunciou sobre a decisão do MPF. O Ibama, responsável pela emissão da LI, também não comentou as ações da Procuradoria da República em Rondônia, assim como o Ministério de Minas e Energia.
(Por Agnaldo Brito, Folha de S. Paulo, 27/08/2008)