O STF (Supremo Tribunal Federal) começa a julgar nesta quarta-feira(27) ações que contestam a demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. O julgamento deve durar dois dias.
O ministro-relator da ação, Carlos Ayres Britto, disse que espera que o julgamento seja longo diante das diversas posições a respeito da destinação das terras da reserva.
O voto do relator, o primeiro a ser revelado entre os ministros da Corte, terá 108 páginas --com a reunião dos posicionamentos distintos recebidos por Britto ao longo da análise da causa nos últimos meses.
"Vai depender de como o ministro Gilmar Mendes [presidente do STF] vai formatar o julgamento, mas dificilmente a causa será julgada na quarta-feira", afirmou ele.
O relator recebeu nesta segunda-feira(25) deputados da bancada de Roraima para discutir a homologação contínua da reserva.
O relator levantou a possibilidade do STF tomar uma decisão distinta do que esperam indígenas e arrozeiros da reserva. "Às vezes, a decisão contraria as duas partes", afirmou.
Enquanto os índios defendem a homologação contínua determinada pelo governo federal, os arrozeiros querem que as terras sejam divididas em ilhas --com espaços da Raposa/Serra do Sol abertos para a circulação de não-indígenas.
Decisão A exemplo de outros ministros do Supremo, Britto disse que a decisão sobre a homologação da Raposa/Serra do Sol pode se estender para outras áreas indígenas do país.
"Se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais objetivas, evidente que isso servirá de parâmetro para todo e qualquer processo demarcatório, se não para os passados, ao menos para os futuros", disse.
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou nesta segunda-feira que se o Supremo decidir pela demarcação não-contínua da reserva, a determinação poderá modificar o atual modelo adotado em outras áreas habitadas por índios.
"Se o Supremo fixar que a demarcação deve ser setorizada, por ilhas, evidentemente se estenderá a todo o território nacional", disse.
Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que a determinação deve "balizar critérios" para outras demarcações de terras no território brasileiro. "Independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para demarcação e a participação dos Estados nesse processo. Esse julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação", afirmou.
Protestos Um grupo de índios macuxi veio de Roraima para acompanhar o julgamento do STF. Cerca de dez macuxi fizeram nesta terça-feira(26/08/2008) uma manifestação pacífica em frente ao Supremo em defesa da demarcação contínua definida pelo governo federal.
"Estamos dispostos a acompanhar todo o julgamento, o tempo que durar. O clima na comunidade é de expectativa para uma solução definitiva. Se a demarcação não for contínua, para onde vão os 20 mil indígenas que lá vivem?", questiona o líder indígena Julio Macuxi.
Índios da etnia guarani-kaiowá de Mato Grosso do Sul enviaram nesta terça-feira uma carta de apoio aos "parentes" da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, cuja homologação contínua da área será definida amanhã pelo STF.
Na carta, os guarani-kaiowá ressaltam que, apesar dos 3.000 quilômetros que separam as aldeias, "mais de cinco séculos de resistência nos unem". "Se fronteiras e violências dividiram nossos povos, sentimentos de pertença a uma nova pátria foram nos aproximando", diz o documento, chamado "Unidos pelo sofrimento, luta e esperança".
Os guarani-kaiowá ressaltam na carta que durante mais de 30 anos os índios da reserva Raposa/Serra do Sol lutam para ter suas terras de volta. E, segundo eles, no mesmo período mataram seus líderes e tomaram quase a totalidade de suas terras.
(Agência Folha,
Folha Online, 27/08/2008)