Muitos cientistas sociais dizem que as cidades latino-americanas passam por um momento de crise territorial, porém poucos são tão enfáticos sobre a dimensão do problema quanto o colombiano Emílio Pradilla Cobos.
“Numa perspectiva futura, até 2050 nenhuma cidade irá resolver seus problemas. Esta é uma das grandes tragédias das cidades latino-americanas causadas pelo neoliberalismo”, declarou enfático para os alunos de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) durante sua passagem por Florianópolis na última semana.
Professor da Universidade Autônoma Metropolitana, Xochimilco, na Cidade do México, Pradilla foi um dos primeiros intelectuais de esquerda a iniciar, na década de 70, as críticas mais consistentes e corajosas aos teóricos da chamada "teoria urbana européia", na época representada por pesquisadores como Manuel Castells, Jean Lojkine, Alain Lipietz, Topalov e Edmond Preteceille. Depois de ouvir as críticas de Pradilla, a maior parte deles acabou revendo as posições e conceitos.
Ao fazer uma radiografia completa da situação das metrópoles latino-americanas, que nas palavras dele possuem tantas diferenças, ao mesmo tempo em que são muito semelhantes; Pradilla faz um alerta especial ao limite ecológico que elas estão vivendo.
“São cidades que cresceram em nichos ecológicos e não souberam resolver problemas como a captação e o despejo da água. Não vou nem entrar no problema do lixo... Estamos contaminando os lençóis freáticos e o solo e não temos uma solução possível em vista”, afirmou o urbanista, que é também professor visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Esta crise permanente é causada pela falta de uma política forte e de longo prazo para enfrentar todos estas questões que, segundo ele, são apenas abrandadas a cada nova administração. Um exemplo disso é o zigue-zague entre a construção de grandes vias e o pouco investimento em transporte público.
Transporte e trânsito
O urbanista explica que o apoio às indústrias automobilísticas é a primeira razão para o forte investimento em obras multimilionárias, que atendem apenas 20% da população. O esforço acaba sendo em vão, pois o ritmo de produção de automóveis é muito mais intenso que a construção das vias que, por esta razão, se saturam em poucos anos. “O governo nunca ganha a corrida dos automóveis”, enfatiza.
Para Pradilla, o modo como o problema do trânsito é enfrentado deixa uma grande massa da população a mercê de um sistema de transporte público deficiente e, no final das contas, não traz uma solução nem para os usários de meios coletivos quanto para os proprietários de carros. “Isso sem falar na questão ambiental causada pelo excesso de automóveis e congestionamentos”, ressalta.
Além disso, este modelo exclui o pedestre da vida urbana, com destaca Pradilla, que não consegue ao menos atravessar a rua para comprar o pão, correndo o risco de ser atropelado. “Isto criou cidades fragmentadas: são pedaços de cidades de um lado e outras dentro de enormes muralhas de concreto”, declara.
Violência e empreendimentos privados
O aumento da violência, gerado pela situação econômica, tem causado também um forte processo de privatização dos espaços públicos. Centros comerciais fechados, por exemplo, foram criados para atender todas as necessidades de compra em um único lugar que possibilitasse o controle e a segurança (o que a rua já não permite) e oferecesse estacionamento fácil e seguro.
“Colocamos a rua dentro de um edifício, com polícia privada e um grande estacionamento. Porém eles já não cumprem mais nenhuma das funções para o qual foram criados e só serviram para privatizar o espaço”, comenta.
Pradilla afirma que todas as cidades na América Latina são violentas neste momento, o que criou um imaginário coletivo permanente de violência. “Nós achamos, a todo momento, que vamos ser seqüestrados. E realmente somos”, diz.
Isto é dos motivos para a constante segmentação da vida dos habitantes em lugares privados que, para o urbanista, escapam justamente da natureza da cidade que é criar conglomerados humanos. “Os espaços públicos são meros resquícios e só servem para serem vistos dos carros. Não são vividos, não são mais espaços de convivência”, afirma.
O centro histórico, que antes reunia a população por provir diferentes serviços, hoje é ocupado pelos setores populares, que alimentam ali o setor informal da sociedade. Todos os outros setores sociais vão sendo organizados para o motorista, na beira das grandes avenidas, dando uma nova forma à cidade e ao modo como cresce.
Pradilla integra uma rede de pesquisadores latino-americanos que estudam as metrópoles latino-americanas, motivo pelo qual passou veio ao Brasil neste mês.
(Por Paula Scheidt, CarbonoBrasil, Envolverde, 26/08/2008)