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Floresta Nacional de Roraima assentamentos reforma agrária mineração em terra indígena
2008-08-27

No mesmo dia em que resolveu explicar os “ajustes” que quer fazer na lei de crimes ambientais, o ministro do meio ambiente, Carlos Minc, deixou escapar que, como parte do pacote, vai tomar todas as providências necessárias para excluir a Floresta Nacional de Roraima do mapa, uma unidade de conservação com graves problemas fundiários criada em 1989. A notícia acendeu a luz de alerta sobre os riscos que essa aparente facilidade para acabar com uma área protegida pode trazer a tantas outras criticamente ameaçadas por invasões e desmatamentos ilegais em todo o país. Ela é o resultado de equívocos e descasos tão gritantes na criação e na implementação da unidade que até o governo oficialmente desistiu de preservá-la.

O Ministério do Meio Ambiente avisou que o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso o quanto antes, com pedido de urgência constitucional. E assumiu que a decisão atendeu a uma reivindicação do governador de Roraima. “O ministro tem dito que vai adotar esta linha de ação, de negociar em consonância com os governos estaduais. Não ia ter como tirar as famílias de lá”, informou a assessoria de imprensa do ministério. Ela se referia às pessoas que foram assentadas ilegalmente pelo Incra em 1996 dentro da unidade de conservação. Segundo o analista Felipe Marron, chefe da Floresta Nacional de Roraima, 330 famílias de agricultores vivem nos projetos de assentamento Samaúma e Vila Nova, fazem derrubadas através do fogo, plantam milho, arroz e mandioca. “Lá tem energia, escola, estradas, igrejas, posto de saúde, eletrificação rural. Seria besteira tirar esse pessoal”, opina.

Esta não é a primeira vez que a área ambiental do governo tenta desfazer a floresta nacional. Muito antes do Incra aparecer em cena para sacramentar a devastação através dos assentamentos, o conceituado ambientalista José Lutzemberger, então secretário de meio ambiente do governo Collor, recomendou que a unidade de conservação fosse excluída. Tudo porque, na realidade, a Floresta Nacional de Roraima nasceu torta. Ela foi criada no papel com 2.6 milhões de hectares, bem no meio de 8 milhões de hectares de terras indígenas Yanomami decretadas em 21 pedaços separados, um ano antes.

Festival de barbeiragens
De acordo com os pesquisadores Bruce Albert e François-Michel Le Torneu, que escreveram um capítulo sobre este tema no livro O Desafio das Sobreposições, do Instituto Socioambiental (ISA), em 2004, a Floresta Nacional de Roraima e a Floresta Nacional do Amazonas foram sobrepostas à área indígena no intuito de regularizar as invasões de 40 mil garimpeiros no território Yanomami. Tanto é que “em janeiro e fevereiro de 1990, três reservas garimpeiras foram criadas na Floresta Nacional de Roraima”, dizem os autores. Em meio a operações da Polícia Federal para tentar, em vão, fechar pistas de pouso clandestinas, Lutzemberger concordou em acabar com a floresta nacional, mas seu pedido nunca foi chancelado pela presidência da república.

Em 1991, o governo reeditou a portaria que criava a terra indígena, transformando-a num território contínuo, e isso, na prática, tirou do controle do Ibama 95% da área da Floresta Nacional de Roraima. Durante dez anos o governo sequer se preocupou em conhecer e gerir os 5% que haviam sobrado fora da área indígena. “O Ibama parece ter decidido, em 2002, ressucitar a Floresta Nacional de Roraima, após mais uma década de hibernação burocrática”, dizem Albert e Le Torneu. “Quando eu assumi, em 2001, nosso primeiro trabalho foi identificar a floresta nacional e vimos que 142 mil hectares estavam fora da área indígena. Mas para nosso espanto, 91 mil hectares já estavam antropizados por dois assentamentos do Incra”, descreve Felipe Marron, chefe da unidade de conservação.

Só que em vez do Incra ser penalizado por ter criado assentamentos irregulares, o governo negociou com o instituto a doação de uma área vizinha ainda preservada de tamanho equivalente à floresta nacional para que uma outra unidade de conservação fosse criada em troca, a Floresta Nacional de Pirandirá, com 172 mil hectares. Segundo analistas ambientais de Roraima que acompanham o desenrolar desta história, o projeto de lei que prevê a revogação do decreto de criação da Floresta Nacional de Roraima e a criação da Floresta Nacional de Pirandirá, contígua à Estação Ecológica Ilha de Maracá, tramita hoje na Casa Civil.

A ilegalidade do Incra
“Queremos que a exclusão de uma e a criação da outra sejam feitos no mesmo ato administrativo, porque se demorar muito, a pressão de invasão vai atingir as áreas ainda preservadas. Estão todas cercadas por projetos de assentamento”, diz Marron. Pelo que se viu, as pressões atingem qualquer floresta, protegidas ou não pelas unidades de conservação em Roraima. “Os assentamentos nem deveriam ter sido criados, mas isso é o que acontece quando não existe a presença do órgão. Fica ao deus-dará”, resume Marron, do Instituto Chico Mendes. O chefe da Floresta Nacional de Roraima informou que até o Ministério Público já entrou nessa jogada e concluiu que os dirigentes do Incra deveriam ser presos por terem criados assentamentos inconstitucionais. “Mas os projetos estão consolidados, a questão agora é consertar o erro”, diz ele. “Tomara que finalmente nos dêem estrutura para tomar conta de tudo isso aí”.

Para Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a situação é crítica e pode se repetir em outros lugares. “A exclusão da floresta nacional é para regularizar assentamentos ilegais e virou prioridade porque os assentados vêm enfrentando restrições ao crédito por estarem irregulares dentro da área protegida”, diz. Na opinião de Barreto, o mais grave nessa história é consolidar um padrão de aceitação das irregularidades do Incra, sempre esperando que se dê um “jeitinho” depois, como aliás, tem sido recorrente.

Basta lembrar que em 2003 o instituto de colonização se comprometeu, por meio de termo de ajuste de conduta, a licenciar todos os assentamentos em três anos. Em 2006 nem metade da promessa havia sido cumprida. Ano passado, o próprio Incra foi alvo de ações na Justiça em que saíram vencedores os assentados na Floresta Nacional de Roraima pelos prejuízos causados pela criação equivocada dos projetos de assentamento. O resultado foram multas e recursos que o contribuinte, no final das contas, financia. “A legislação prevê penas para servidores que causam esse tipo de prejuízo aos cofres públicos”, lembra Barreto. Seria uma alternativa um pouco mais eficaz para prevenir barbeiragens como esta. Até o fechamento desta edição o Incra não comentou a legalidade dos dois assentamentos. Confirmou, no entanto, que só percebeu a demarcação dos lotes dentro da unidade de conservação sete anos depois de criados, em 2001, quando o Ibama descobriu o tropeço.

(Por Andreia Fanzeres, OEco, 26/08/2008)


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