De cinco a oito bilhões de barris de petróleo e gás natural. Esse é o volume estimado pela Petrobras para as reservas do campo de Tupi, cuja descoberta foi oficializada pelo governo brasileiro em novembro de 2007. Caso tais números se confirmem, as novas reservas - localizadas na Bacia de Santos, a 180 quilômetros do litoral paulista - poderão mais que dobrar a atual produção de petróleo do País. Como é possível se chegar a essas previsões apenas com a perfuração de alguns poços? Um dos meios empregados é a geoestatística, metodologia nascida nos anos 1950.
“A geoestatística permite que, a partir de poucas informações esparsas, se tenha uma idéia do volume total de um reservatório de petróleo ou de um depósito de minério de ferro, por exemplo”, explica o professor Marcelo M. da Rocha, um dos coordenadores de Grupo de Geoestatística Aplicada (GEA) do Instituto de Geociências (IGc) da USP. Segundo ele, a função básica da geoestatística é estimar dados em locais não amostrados, levando-se em conta o comportamento espacial do fenômeno estudado. “Ela se diferencia dos métodos estatísticos tradicionais por levar em conta os componentes espaciais do que é analisado” diz o especialista.
Para isso, é necessário fazer um mapeamento das chamadas “variâncias espaciais”. Como conhecer, por exemplo, qual o teor de cobre existente numa área de 500 metros quadrados. “Nunca conseguimos conhecer o todo, então fazemos amostragens pontuais, e mapeamos o quão diferentes são os pontos A, B, C e D entre si”, explica. “Sabendo-se que um ponto A possui determinadas características, e um ponto B outras, podemos perceber, caminhando de A até B, a variação que faz com que os valores de A cheguem aos valores de B”.
Esses dados geram então uma ferramenta chamada variograma, uma função direcional na forma de um gráfico, que relaciona distância por variância espacial, ou seja, compara um ponto com seu vizinho, separado por uma distância qualquer. Segundo o professor do IGc, isso é feito para várias distâncias e direções, pois cada direção pode ter comportamentos diferentes. De sul a norte, a variação pode ser mais rápida do que de oeste a leste. “Isso é a chamada anisotropia, e os únicos métodos de estimativa que conseguem reconhecê-la são os métodos geoestatísticos, que usam o variograma como ferramenta de predição” diz Rocha.
O objetivo final de todo o processo é determinar, de acordo com a característica de variação que se tem em determinada distância ou direção, que valores poderão ser encontrados em pontos desconhecidos dessa trajetória. Ou seja, calcular valores com base em pontos, na prática, não estudados.
Aplicações diversas
Esse conceito tem feito da geoestatística uma ferramenta cujas aplicações se diversificaram para outros campos além das Ciências da Terra, como a geologia. O professor Marcelo Rocha conta que colaborou, há cerca de três anos, com um experimento do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que pesquisou o tempo de resposta a estímulos luminosos numa tela. “Os pontos brilhavam em diferentes coordenadas da tela, e o voluntário apertava uma tecla. E aí se media o tempo que a pessoa levou para apertar o botão. Conseguiu-se então associar aquele determinado ponto da tela a uma velocidade de resposta, e comparar os pontos entre si nas diversas direções”, relembra.
São aplicações como essa, completamente diferentes daquelas em que a geoestatística foi pensada originalmente, que fazem com ela venha se popularizando. “Já recebemos em nossos cursos do IGc alunos da área de epidemiologia da medicina veterinária, que procuravam meios para estudar a presença ou ausência de uma determinada doença em uma região. Também soube que a polícia de São Paulo demonstrou interesse por isso, para mapeamento de regiões mais ou menos suscetíveis a criminalidade”, diz ele.
Percebendo essa tendência, o Grupo de Geoestatística Aplicada do IGc mantém há quase dez anos um site de geoestatística online, voltado a princípio para estudantes de graduação que estão se iniciando no assunto e também para o público leigo interessado no tema. “A idéia do site foi justamente o de divulgar a geoestatística, atingir a sociedade e tentar desmistificar um pouco essa área. Sempre que se fala em matemática, em número, a maioria das pessoas 'arrepia os cabelos'. Tentamos mostrar para a comunidade em geral que isso não é um bicho de sete cabeças”, salienta Rocha. Para tanto, a linguagem do site procura ser simples e didática, incluindo um glossário em que uma série com os termos mais utilizados são explicados, e mais algumas brincadeiras e exercícios. “Essa é nossa meta: atingir um público mais amplo, com o conhecimento passado de uma maneira mais descontraída”.
(Por Francisco Angelo, USP online, 26/08/2008)