No dia 6 de junho de 2008, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, cassou a liminar que paralisava a construção de cinco Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no Rio Juruena, em Mato Grosso. A decisão favorece diretamente o governador Blairo Maggi, autor do pedido de liberação das obras e dono da empresa que pretende erguer outras quatro usinas no mesmo rio. Na visão do Ministério Público Federal (MPF), porém, as hidrelétricas receberam licenças irregulares do governo mato-grossense e, se forem erguidas, podem inviabilizar a pesca em reservas indígenas.
Em apoio ao MPF, o Instituto Socioambiental (ISA) ajuizou, na última sexta-feira 22/08, uma petição na condição de Amicus Curiae (“amigo da corte”, instituto que permite que terceiros passem a integrar uma demanda judicial) no Supremo Tribunal Federal (STF), para que seja juntada ao processo que tenta impedir a continuidade das obras do Complexo Hidrelétrico do Juruena. Um dos argumentos do Instituto é a necessidade de consulta prévia aos povos indígenas afetados, como determina o art. 231 da Constituição e também prevê a Convenção 169 da OIT, em vigor no Brasil desde 2003.
Ao longo da Bacia do Alto Rio Juruena se situam onze Terras Indígenas (Enenawê-Nawê, Menku, Nambikwara, Pirineus de Souza, Tirecatinga, Juininha, Paresi, Uirapuru, Utiariti, Erikbaktsa e Japuíra), territórios das cinco etnias Enawenê-Nawê, Menku, Nambikwara, Paresi e Rikbaktsa, organizadas em cerca de 88 aldeias, que, por sua vez, dependem diretamente dos recursos e serviços ambientais oferecidos naturalmente pelo rio para sua sobrevivência física e cultural.
Em 2006, o Ministério Público Federal instaurou procedimento administrativo (processo nº. 1.20.000.000336/2006-28) para verificar as circunstâncias do licenciamento ambiental do Complexo Juruena, denominação dada a uma seqüência de usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas previstas para serem implantadas (algumas em fase de implantação) em pontos localizados entre as cabeceiras do rio do mesmo nome e sua confluência com o rio Juína, numa extensão de 287,05 Km.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, cada PCH pode, individualmente, gerar até 30MW e ter um reservatório de no máximo 3 Km2. Porém, num trecho de menos de 130 quilômetros do rio foram identificados 12 locais para a instalação de aproveitamentos hidrelétricos, sendo 2 usinas hidrelétricas (UHEs) e 10 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Se todos fossem instalados, vários estariam a menos de 10 km de distância um do outro. Apesar do exagero no número de aproveitamentos previstos em 2002, a ANEEL autorizou a exploração de 11 aproveitamentos hidrelétricos nesse trecho, todos pelas mesmas empresas integrantes do Consórcio Juruena, que reúne a Maggi Energia S.A., Linear Participações e Incorporações e MCA Energia e Barragem. Fica claro que as usinas, mesmo que pequenas, sendo construídas de forma sucessiva, causarão grande impacto no local.
A legislação estadual só exige a realização de Estudo de Impacto Ambiental - EIA/RIMA para empreendimentos com potencial superior a 30 MW, o que permite que todas as centrais hidrelétricas no Estado de Mato Grosso sejam construídas sem tais estudos, sendo incompatível com a Constituição Federal. Mesmo afetando principalmente as populações humanas que dependem do rio, como os povos indígenas,a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso – SEMA/MT emitiu, entre agosto e dezembro de 2002, Licença Prévia Ambiental (LP) e Licença de Instalação (LI) para 8 desses empreendimentos sem exigir a avaliação dos impactos cumulativos nem um Estudo de Impacto Ambiental. Todavia, não poderia ser outorgada licença sem antes haver a autorização do Congresso Nacional e a realização de consulta prévia aos povos indígenas.
Em 2007, mesmo sem o EIA-RIMA, a Superintendência de Infra-Estrutura, Indústria, Mineração, Serviços e Resíduos Sólidos renovou as Licenças de Instalação (LI) de oito dos empreendimentos hidrelétricos. Assim como ocorreu quando da concessão das primeiras Licenças Prévias e de Instalação, a SEMA renovou as licenças ambientais sem que a área técnica da Funai se manifestasse sobre o componente antropológico dos estudos complementares elaborados para identificar, prevenir e mitigar os impactos resultantes da construção das obras do Complexo do Juruena sobre os grupos indígenas.
E os Indios?
Em nenhum instante os índios foram chamados a participar das discussões sobre os empreendimentos. As conversas só aconteceram após a liberação da Licença Prévia e tiveram seu foco em compensações de prováveis impactos, sugerindo que a construção ou não desses empreendimentos já estava fora de questão. Mesmos estas conversas têm sido insatisfatórias, visto que os índios já organizaram inúmeros protestos para serem ouvidos.
Na última decisão, o presidente do STF sustenta que a paralisação das obras teria criado "grave risco de lesão à ordem, à saúde, à segurança, à economia e à saúde pública do Estado", além de causar danos ao meio ambiente, alertando que "merecem atenção os efeitos deletérios ao próprio meio ambiente pela manutenção de grande área desmatada e cavada, podendo até mesmo assorear o próprio rio". Para o ministro, o argumento do MPF – de que o projeto dependeria de autorização do Congresso, já que o rio tem forte influências em Terras Indígenas já demarcadas – não é merecedor de atenção: "As pequenas centrais hidrelétricas não serão instaladas em áreas indígenas, mas em suas adjacências”, conclui.
Em abril 2008, entretanto, o Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso conseguiu, no Tribunal Regional Federal, uma determinação para suspender as licenças de instalação de cinco empreendimentos do complexo hidrelétrico Juruena. Ao determinar a paralisação das obras em 24 de abril de 2008, a Desembargadora Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF-1), afirmou que a construção das PCHs acarretaria "uma série de graves riscos para a sustentabilidade" das aldeias e induziria uma das etnias da região ao que chamou de genocídio cultural: "Parece que mais uma vez se cumpre o processo histórico de ações lesivas ao meio ambiente e às populações indígenas", escreveu a desembargadora.
Com a apresentação da petição, o ISA espera ajudar para que o processo de licenciamento do Complexo do Juruena garanta o cumprimento dos direitos dos povos indígenas, de forma que os impactos ambientais cumulativos dos barramentos realizados pelas PCHs entrem, definitivamente, para as análises de impactos provocados por este tipo de empreendimento.
(ISA, 25/08/2008)