Agência tem participação limitada na comissão interministerial que propõe mudanças no marco regulatório do petróleoSó agora técnicos da agência serão chamados a fazer parte dos grupos de trabalho que vão analisar temas específicos
A convocação, por Lula, de comissão interministerial para propor mudanças no marco regulatório do petróleo agravou a "crise de identidade" da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e contribuiu para isolar ainda mais o diretor-geral, Haroldo Lima, do corpo técnico e gerencial da agência.
Recebido com reservas desde a indicação para o cargo, em janeiro de 2004, o ex-deputado federal pelo PCdoB é hoje alvo de diversas críticas dentro da ANP -que, nos últimos anos, avançou na profissionalização do quadro técnico (com a instituição de concursos públicos, por exemplo), mas perdeu força no plano político.
Com a saída de Newton Monteiro, a diretoria da entidade é composta hoje por apenas dois nomes: Nélson Narciso e Victor Martins. Duas vagas estão em aberto. Diferentemente de Lima, engenheiro eletricista que sempre se dedicou à militância política, Narciso e Martins têm vasta experiência profissional e acadêmica no setor de petróleo.
Engenheiro mecânico, Narciso trabalha na indústria do petróleo há 30 anos. Foi diretor de empresas multinacionais como Halliburton, ABB e Vetco Gray. Na última década, atuou em diversos países africanos.
Já Martins é administrador de empresas com pós-graduação na área de petróleo e gás natural. Trabalhou na Organização Nacional da Indústria do Petróleo e no Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás Natural.
Mas, apesar do currículo, ambos têm sido subaproveitados e excluídos do debate sobre regulação, na avaliação de uma fonte próxima aos executivos. Lima, que é o único integrante da ANP que participa da comissão interministerial, limita-se a relatar aos dois diretores os resultados das reuniões a que assiste, em Brasília.
Depois de quatro reuniões da comissão, só agora os técnicos da agência serão chamados a fazer parte dos grupos de trabalho que vão analisar temas específicos, como participações governamentais na renda do petróleo, modelos de exploração e fundos soberanos.
Mesmo assim, esses grupos de trabalho são coordenados por funcionários do Ministério de Minas e Energia e da Fazenda -o que, para muitos técnicos, ilustra o "esvaziamento" da ANP. O estudo encomendado pelo governo -e que servirá como guia nas propostas para exploração do pré-sal- ficou a cargo da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), do Ministério de Minas e Energia.
ANP x CNPEO esvaziamento da ANP remonta à "reativação" do Conselho Nacional de Política Energética, idealizado pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, diz o ex-diretor-geral da agência Sebastião do Rego Barros: "Isso obedeceu a um entendimento do TCU de que a ANP não poderia fazer as licitações sem autorização. Por isso, o CNPE teve novo fôlego. Mas, evidentemente, houve também um esvaziamento da ANP".
Outro ex-dirigente da ANP, que prefere não se identificar, diz que o esvaziamento chegou a um ponto em que a Petrobras -em última análise, concessionária da União para exploração e produção de petróleo- tem hoje mais influência na discussão sobre os aspectos regulatórios do que a própria ANP.
Mesmo na alta administração da Petrobras, a "apatia" da ANP é recebida com desconforto. Isso ocorre, por exemplo, na atual ameaça de "desapropriação" de áreas já licitadas do pré-sal -sob o argumento da unificação com áreas fronteiriças a esses campos e ainda não licitadas pelo governo federal (unitização, no jargão técnico).
A discussão em torno do que fazer com as reservas do pré-sal não é a única fonte de discordância entre Lima e parte do corpo gerencial da ANP. A agência perdeu força na definição das áreas a serem licitadas e na dinâmica dos leilões.
(Por Roberto Machado,
Folha Online, 26/08/2008)