O relator das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, acusou ontem o governo brasileiro de negligência em relação aos índios na definição de programas, como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que afetam suas reservas e interesses. Na visita de doze dias ao País, concluída ontem, ele disse ter recebido queixas generalizadas contra a omissão. "A definição (do PAC) não aferiu nem respeitou a opinião dos povos indígenas e, em alguns casos, há programas que afrontam seus interesses", disse ele, sem especificar quais seriam os programas.
No balanço da viagem, Anaya também criticou "o paternalismo" e a má gestão de recursos dos programas assistenciais executados nas aldeias, cuja coordenação, a seu ver, deveria ser entregue aos próprios índios. Ele se referiu sobretudo às ações das áreas de saúde e educação. O relator defendeu que os índios "sejam protagonistas em todas decisões nacionais importantes", inclusive sobre a instalação de batalhões militares em áreas indígenas de fronteira, como prevêem tratados internacionais e a própria Constituição do País.
Para o relator da ONU, o Brasil, embora tenha leis avançadas, ainda pratica "grande discriminação" e não respeita os direitos dos índios. Ele criticou sobretudo a "flagrante ausência" de mecanismos de consulta aos povos indígenas sobre questões que afetam seus direitos e seus interesses, como rodovias, hidrovias e projetos de desenvolvimento. "Isso para mim é sintoma de problemas maiores", afirmou. Anaya disse que ainda está avaliando se coloca restrições ao PAC no relatório que fará sobre sua visita ao Brasil.
O relatório deverá estar pronto em dois meses e será submetido à crítica do governo brasileiro antes de ser levado à apreciação da próxima reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em dezembro. "Pode ser que haja normas políticas do PAC que reconheçam os direitos dos indígenas, mas na prática isso não vem ocorrendo", disse. "Há necessidade de harmonizar as leis de desenvolvimento com a defesa dos direitos dos povos indígenas."
Raposa Serra do SolAnaya negou que sua presença no Brasil tenha por objetivo influenciar a decisão do STF, que julga esta semana se mantém a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área contínua ou em ilhas. Ele visitou a área, conversou com lideres dos arrozeiros e dos índios e disse que não vê risco de conflito, qualquer que seja a decisão. "A decisão (do STF) pode surpreender a todos", previu.
Ao contrário do que autoridades e observadores temem, o tribunal, segundo Anaya, "pode achar uma solução inteligente" que não signifique tirar tudo de um lado para beneficiar o outro. "Não seria surpresa para mim se o Supremo encontrasse uma solução justa para os dois lados. Tenho muita confiança em países que têm uma justiça independente e um tribunal com as características do STF", afirmou.
(Agência Estado,
G1, 25/08/2008)