Trabalhadores da Petrobras não estão animados com a possibilidade do governo federal criar uma nova estatal para gerir os megacampos de petróleo na camada de pré-sal. Para eles, o debate esconde questões mais profundas que deveriam ser reavaliadas pelo governo, como a inserção das empresas estrangeiras na Petrobras e na exploração das reservas de petróleo.
Em entrevista, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo no Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), Antony de Valle, defende que ao invés de criar uma nova empresa, o governo reestatize a Petrobras. Ele também alerta que o recente interesse dos Estados Unidos em reativar a Quarta Frota de sua Marinha na costa latino-americana não é uma simples coincidência e prevê um aumento da tensão entre transnacionais e povo brasileiro pelo domínio do petróleo.
Por que o sindicato não concorda com a criação de uma estatal para gerir as reservas de pré-sal?
Antony de Valle - Não é à toa, na nossa avaliação, que a Quarta Frota é reativada agora, justamente no momento em que é descoberto o pré-sal. É uma questão estratégica. Em relação à criação da nova empresa, considero que é um pouco ambígua. Temos uma campanha intitulada "O Petróleo tem que ser nosso", que tem três pontos principais de reivindicação: o primeiro é o fim dos leilões de petróleo e gás. O segundo, é a retomada das áreas já leiloadas. E o terceiro é a Petrobras 100% estatal. Na nossa avaliação, se isso acontecesse, resolveria essa questão toda. Porque o governo vem dizendo que será interessante a criação dessa nova empresa justamente porque garantiria fundos para o bem-estar do povo brasileiro, tanto para educação, saúde, transporte e moradia. O problema é que se o pré-sal fica na Petrobras justamente como está atualmente, em que a Petrobras não é 100% estatal muito pelo contrário, ela tem uma grande participação de capital privado estrangeiro, e sua lógica é mercadológica, diferentemente da de uma estatal. A gente considera que mesmo o pré-sal ficando na Petrobras do jeito que está hoje, não garantiria que os seus recursos fossem efetivamente aplicados para o bem do povo brasileiro. O fato de estar ventilada a idéia de uma nova empresa 100% estatal também esconde o debate sobre esses pontos que apresentamos em nossa campanha. Porque são os pontos centrais: se a gente acabar com os leilões, retomar as áreas já leiloadas e colocar a Petrobras 100% estatal resolveria o assunto.
Como o governo poderia reestatizar a Petrobras?
Antony de Valle - Exatamente como o governo vai fazer é difícil dizer. Mas é necessário, antes de tudo, ter vontade política neste momento também e procurar aliados. O presidente da Petrobras, em uma audiência no Senado, defendeu que as áreas do pré-sal fiquem com a Petrobras. Isso não é uma solução, no nosso ponto-de-vista, porque se ficar com a empresa fica também co capital privado. O especulador George Soros comprou recentemente uma quantidade elevada de ações, cerca de US$ 811 mi na Petrobras recentemente. Então, quem são os donos efetivamente da Petrobras? Agora, para o governo fazer frente a essa investida das outras transnacionais - visto que a Petrobras também é transnacional hoje - o governo precisa decidir de que lado ele está. Porque qual é o projeto do governo? É realmente fingi que está resolvendo alguma coisa ou é acabar efetivamente com os leilões, retomar as áreas? É necessário primeiro definir o posicionamento para depois procurar o número máximo de aliados.
Por que consideras negativo a Petrobras não ser mais totalmente estatal?
Antony de Valle - A gente viu agora há pouco tempo com a questão da Bolívia. Muita gente acha "ah, a Petrobras é brasileira, defende os interesses do Brasil" Mas e quais são os interesses do Brasil? O que a gente não concorda é que uma empresa como a Petrobras atue como se fosse a Shell, a Esso ou quaisquer outras dessas transnacionais, exercendo de alguma forma um sub-imperialismo. Isso é um primeiro ponto. Quanto à questão do povo brasileiro, não bastaria transformar a Petrobras em 100% estatal. Precisariam ser criados também mecanismos de controle social. Se ela for 100% estatal não garante ainda que os recursos chegarão efetivamente á população, porque tudo depende de que Estado a gente tem também. E hoje, ela sendo uma transnacional com ações na Bolsa de Nova Iorque, na verdade mostra que a lógica de atuação da Petrobras, embora não seja exatamente igual a das outras transnacionais já que tem alguns aspectos que a diferenciam, mas o princípio de funcionamento da empresa hoje é de mercado. E o mercado não tem como objetivo principal garantir o bem-estar da população, mas sim o lucro, cada vez maior. Principalmente para beneficiar os grandes acionistas. No dia-a-da da Petrobras é muito visível. Há inúmeros projetos voltados para se adequar cada vez mais às exigências da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Isso a gente considera que desvia completamente do que seria uma lógica de Estado.
Que benefícios diretos a reestatização da Petrobras traria ao cotidiano do brasileiro?
Antony de Valle - De concreto, por exemplo, o preço dos derivados. A Petrobras até faz um certo controle dos preços. Não é exatamente como se fosse a Esso mas, se ela fosse efetivamente 100% estatal e com controle social, seria estudado de um modo muito mais em benefício da população como seriam definidos os preços. Por exemplo a gasolina, o gás de cozinha.
A partir de que momento a atuação das transnacionais do petróleo passou a ser mais recorrente no Brasil?
Antony de Valle - Antes da quebra do monopólio durante o governo Fernando Henrique Cardoso já havia empresas transnacionais no Brasil. Já se via a Shell e a Esso, mas não na exploração das reservas. Elas existiam no Brasil, mas atuando em postos de gasolina, na distribuição, e não na exploração e produção. Com a quebra do monopólio, elas passaram a ocupar outros setores de produção da cadeia. O que acontece é que embora hoje as jazidas e as reservas ainda continuem com a União, as empresas que participam dos leilões e que ganham, portanto as áreas, têm o direito de exportarem tudo o que quiserem. E o pagamento que se dá ao mercado brasileiro é pequeno se comparado à média mundial. A Agência Nacional do Petróleo [ANP] foi criada neste modelo e defende muito mais as transnacionais do que propriamente a Petrobras e refuta uma mudança no marco regulatório. O pagamento que é feito pelas empresas que exploram as áreas dos leilões é pequeno comparada à média mundial. Aqui vai até 40%, enquanto que em alguns outros lugares elas precisam pagar até 80%.
Por que é tão necessário acabar com os leilões?
Antony de Valle - São matérias-primas estratégicas, tanto o petróleo quanto o gás natural. A gente vê que muitas guerras acontecem no mundo devido a essas fontes de energia. E, se a gente tem, no Brasil esses recursos, eles têm que serem vistos de modo estratégico também. Ou seja, a gente vai deixar que os recursos sejam explorados pelas empresas Shell, Esso, Repsol etc e que sejam exportados ao invés de beneficiar o desenvolvimento do país? Esse é um ponto. Quais são os objetivos efetivos desses leilões? Dizia-se, quando houve a quebra do monopólio, que os leilões iriam trazer muito investimento e que assim seria possível trazer muitas indústrias do petróleo. Só que o que a gente alega é que a maioria dos investimentos é feita pela Petrobras. Se por um lado é verdade que a chamada auto-suficiência se ela aconteceu, não só com o que a Petrobras extrai de petróleo mas sim inclui o que é produzido no Brasil, incluindo essas outras empresas, mas na verdade não podemos esquecer que a maioria esmagadora é a Petrobras. E a auto-suficiência não aconteceu da noite para o dia e não ocorreu também com a quebra do monopólio pra cá. Isso foi desde a criação da Petrobras em 1953. Todo um trabalho de décadas que chegou ao o que é hoje. Por isso que a gente tem que saber para quem vai servir esse petróleo. E com esses leilões, acaba que esse petróleo serve apenas a interesses de empresas e não de interesse sobretudo do povo brasileiro.
(Por Raquel Casiraghi, Agência Chasque, 25/08/2008)