A decisão de impedir que a Petrobras venda uma mina de silvinita, matéria-prima para produção de potássio no Amazonas, expõe a enorme pressão do governo para que a companhia assuma investimentos fora da sua atividade fim -a exploração e produção de petróleo e gás, transporte, refino e distribuição de derivados.
No caso da mina de potássio em Nova Olinda do Norte, no Amazonas, a pressão do governo está relacionada ao desejo já manifestado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reduzir a dependência do país, que se tornou grande importador de fertilizantes. O problema é que não há gás suficiente para atender o segmento. E o que existe não é barato, o que significa que o fertilizante produzido aqui é sempre mais caro do que o de países com oferta de gás abundante.
A preocupação faz sentido no cenário de descompasso mundial entre demanda e oferta de alimentos, ressalta Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). "É um problema não só do Brasil mas também da China, Índia e Estados Unidos. Os maiores mercados ficaram desbalanceados desde 2006 quando se começou a fazer etanol a partir de milho, colza e trigo na França, e de mandioca na Índia e Tailândia. Existe um desequilíbrio propiciado pelo aumento dramático da demanda por alimentos, que provocou em seguida um desequilíbrio na demanda por fertilizantes para a agro-energia", afirma Daher.
O gás natural é necessário para produzir os chamados fertilizantes nitrogenados, especificamente a uréia, mas a oferta de gás no Brasil tem sido inferior à demanda. Os grandes consumidores do insumo reclamam da pouca disponibilidade para o uso industrial já que a Petrobras também precisa atender à demanda das térmicas (para gerar energia) e a veicular. A estatal está fazendo um tremendo esforço para aumentar a oferta, que já cresceu 8 milhões de metros cúbicos/dia. A indústria, porém, quer mais gás, que é mais barato e mais limpo.
Entre 1990 e 2006 o consumo de fertilizantes no Brasil aumentou 178% segundo dados da Anda e em 2007 o país importou 75% do nitrogênio consumido no país, 51% do fósforo e 91% do potássio, todos são nutrientes. A Petrobras controla duas plantas de fertilizantes nitrogenados (Fafens), uma na Bahia e outra em Sergipe, e já analisa uma terceira unidade. O diretor da área de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, explica que a companhia estuda a localização e o mercado nacional. Ele diz que não tem avaliação de custos, mas a estimativa dos projetos, segundo a Anda, varia de US$ 1 bilhão a US$ 2,5 bilhões dependendo do nutriente a ser produzido.
Sobre a oportunidade de utilizar o gás para produzir fertilizantes, Costa disse que o raciocínio é mais complexo, apesar de terem sido freqüentes os cortes de produção nas Fafens para destinar o gás para usinas termelétricas. Umas das razões, explica, é que a rede de gasodutos (interligando o Sudeste com o Nordeste) ainda não está pronta.
Na avaliação de Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), para o Brasil só existem duas maneiras de o país voltar a produzir fertilizantes de maneira competitiva: ou se subsidia o produto ou se cria um preço diferenciado para o gás usado como matéria-prima.
Ex-diretor da Petrobras e professor da USP, Ildo Sauer é um crítico do projeto de ampliação das Fafens, lembrando que seria anti-econômico produzir fertilizantes com gás importado que substitui o petróleo. "O governo já impôs à Petrobras um enorme prejuízo ao exigir que ela garantisse o suprimento de gás não contratado para as térmicas em função da falta de transparência e das lacunas regulatórias no mercado livre de energia. Agora não se pode pensar em um segundo engano que é usar o gás natural liquefeito (GNL), que será importado para atender a demanda térmica em caráter flexível, para fazer fertilizantes. Seria muito melhor estudar a possibilidade de se associar e produzir fertilizantes no exterior onde custo do gás é menor que no Brasil, afirma Sauer.
Sobre a mina, a estatal informou, em nota, que voltou atrás na decisão de vender. "Em relação aos direitos minerários das reservas de silvinita, localizadas no Estado do Amazonas, detidos pela Petrobras, a Companhia assinou documento onde se comprometia a vendê-los a uma empresa canadense, atendidas condições pré-estabelecidas. No entanto, a alta administração da Petrobras, por razões estratégicas, decidiu não prosseguir com a venda, decisão esta já comunicada à referida empresa".
(Por Cláudia Schüffner, Valor Online, 25/08/2008)