Depois de colocarem um cocar na estátua da Justiça e rodarem a Europa angariando apoio, lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol, em Roraima, preparam o último protesto antes do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da área, que será realizado na quarta-feira. Um dia antes, haverá um ato na Praça dos Três Poderes, com o objetivo de sensibilizar os 11 ministros da Corte para que votem a favor da delimitação contínua da reserva de aproximadamente 17 mil quilômetros quadrados, onde vivem mais de 19 mil indígenas. Um pronunciamento que James Anaya, relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, fará amanhã em Brasília, após uma expedição de 10 dias pelo país, pode colocar ainda mais pólvora no julgamento que vem sendo classificado nos bastidores como explosivo.
O termo cunhado em relação ao julgamento tem a ver com a reação negativa que a decisão do STF, seja ela qual for, poderá surtir entre indígenas e agricultores. Para Simião de Souza, morador da Raposa Serra do Sol que veio a Brasília para acompanhar a sessão do Supremo, se a demarcação não for contínua, como estabelece decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os problemas vão continuar. “Sofremos muito por causa dos posseiros de terra, que ameaçam a gente, não deixam a gente pescar. Eles tratam a gente com bala. Meu primo foi atingido por um posseiro”, conta.
O macuxi Ademar Firmino fala com tristeza da devastação provocada na natureza pelos produtores de arroz, hoje os principais interessados na demarcação descontínua, em forma de ilhas, da reserva. “Eles jogam veneno nas plantas, a água fica poluída, a gente sente tanta dor de cabeça. Chega a fazer pena ver o monte de pássaro que morre por causa do veneno que eles usam, os peixes estão magrinhos”, diz Firmino.
O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, não acredita que haverá conflitos por conta do resultado do julgamento. Para ele, as determinações do STF gozam de grande prestígio e, em geral, têm, servido para pacificar situações instáveis, e não agravá-las. Os índios que acompanharão a sessão no STF, contudo, não pensam dessa maneira. Ivaldo André, que mora na Raposa Serra do Sol, teme atos violentos. “As duas áreas que estão no interior da reserva mas que não são nossas já causam problema, imagine se tirarem mais terra da gente”, afirma o índio, referindo-se ao Parque Nacional Monte Roraima e ao município de Uiramutá.
Para a deputada Erika Kokay, que junto com outros parlamentares do Distrito Federal participará do ato público da terça-feira, a expectativa é de que o Supremo determine a demarcação contínua. “Se isso não ocorrer, a Corte estará rasgando a Constituição”, afirma.
(Por Renata Mariz, Correio Braziliense, 24/08/2008)