Em geral, os ex-empregados da indústria do amianto são pessoas humildes, têm baixo nível socioeconômico e pouca escolaridade. Algumas vezes é a empresa que os procura para propor o acordo extrajudicial; outras, são eles próprios que vão até ela. Em Osasco, Grande São Paulo, a Eternit mantém um escritório para atender especificamente esses casos. Sumara Ramalho é a chefe.
“Preferi fazer o acordo; ganhei uns trocados e um plano de saúde”, diz um ex-funcionário que pediu para não ser identificado. “Não quero ficar mal com a Eternit nem com o pessoal da Abrea. Acendo duas velas: uma para o diabo, outra para Deus. Eu procurei a Sumara, que me orientou tudo, inclusive onde fazer os exames. Fiz no Hospital São Paulo [da Unifesp]. Depois, conversei com o doutor Mário Terra sobre o relatório. O laudo ficou com a Eternit.”
A junta médica pré-determinada pela Eternit para o acordo extrajudicial é – atenção! – exatamente a mesma que assinou o laudo do senhor Manoel, em junho 2005, dizendo que ele não tinha nada em relação ao amianto. Pelo menos desde 1998, ela atua para o Grupo Eternit.
“Tenho uma firma com dois sócios [Bagatin e Nery] que presta consultorias em pneumologia ocupacional, sílica, amianto, poeiras orgânicas, etc. A Sama e a Eternit são duas das empresas clientes”, respondeu Mário Terra Filho por e-mail a esta repórter. “É uma atividade privada no meu consultório que não tem qualquer ligação com a Pneumologia da USP. O que meus clientes fazem com meus pareceres não cabe a mim decidir.”
No parecer, constam o nome e o número dos médicos no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Porém, no acordo extrajudicial de quase 30 páginas, assinado pelo ex-empregado, o número no Cremesp não consta. Em vez dele, em destaque na cláusula 4, aparecem as credenciais acadêmicas dos três médicos.
“O fato de os professores da junta médica serem professores da USP, Unicamp e Unifesp ilude as pessoas; faz a gente acreditar que é coisa séria, boa, oficial”, afirma Lucinha. “Como conseguem fazer laudos para os acordos extrajudiciais e, ao mesmo tempo, pesquisas para beneficiar essa mesma indústria?”
Perguntamos à Eternit quantos acordos extrajudiciais já foram assinados. Ela não nos respondeu. Mas estimam-se que mais de 2.500 acordos já foram celebrados. Importante: o acordo é assinado antes de a pessoa passar pela junta médica. “É no escuro, aí é que o bicho pega. A gente fica nas mãos deles. Fazer o quê?” resigna-se o ex-funcionário que pediu para não ser identificado. “Pelo menos tenho um plano de saúde para vida inteira.”
“É uma camisa-de-força nessas pobres vítimas”, condena Fernanda Giannasi. Quem assina o acordo extrajudicial abre mão de pleitear na Justiça qualquer outro tipo de reparação por causa do amianto, pois, em tese, concordou que a indenização recebida “compensou suas perdas”. E o que muitos ainda não se deram conta é de que os benefícios cessarão em caso de falência da empresa ou quando for decretado o banimento do amianto. Está na última cláusula, a 29ª. “Foi a forma que a indústria encontrou para impedir que ex-funcionários, que assinam o acordo extrajudicial, engrossem os movimentos contra o amianto e pelo seu banimento”, acrescenta Fernanda. “Afinal, uma vez banido, eles perdem os benefícios previstos.”
(Por Conceição Lemes, Especial para Viomundo, julho de 2008)