A menos de uma semana do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se manifestou nesta quinta-feira favorável à homologação contínua das terras.
O presidente da entidade, d. Geraldo Lyrio Rocha, disse que será um "retrocesso" e um "absurdo" se o STF não mantiver a decisão do governo federal de homologar as terras de forma contínua.
"Depois da luta de tantos anos dos índios que reivindicam o reconhecimento das terras, voltar atrás é um absurdo porque seria um retrocesso imenso e um prejuízo extraordinário para os povos indígenas que vivem na região", afirmou.
Dom Geraldo defende que o STF mantenha as decisões dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva que demarcaram e, posteriormente, homologaram as terras da Raposa/Serra do Sol de forma contínua. Na opinião do bispo, a demarcação por "ilhas", como defendem os arrozeiros que vivem na região, vai impedir que os índios tenham assegurados o direito constitucional de usufruto das terras.
"A Constituição prevê que os índios têm usufruto exclusivo das terras e riquezas dos solos. Essas terras são patrimônios da União, mas aos índios é concedido o seu usufruto", afirmou.
O bispo rebateu os argumentos de que a demarcação contínua poderia trazer prejuízos à soberania nacional ou colocar em risco as fronteiras do norte do país, em Roraima. "Grande parte das nossas fronteiras contam com a presença dos povos indígenas e nunca houve problemas com nações vizinhas."
Para o vice-presidente da CNBB, d. Luiz Soares Vieira, a demarcação em "ilhas" poderá impor a dominação dos não-indígenas às etnias que vivem na reserva. "Essa experiência de ilhas tem sido muito ruim. Os índios têm as organizações deles, mas os brancos devagar se apossam das terras e corrompem os índios. Precisamos dar esse espaço para eles", afirmou.
O bispo defende que o governo federal, a exemplo do que fez com fazendeiros da região, pague indenização aos arrozeiros para que deixem a reserva --caso o Supremo determine a homologação contínua.
Dom Luiz afirmou que a posição da Igreja Católica em defesa da demarcação contínua não tem relação com a sua presença na região. "A Igreja não tem nada em nome dela nessa área, é tudo dos índios."
Força policial O secretário-geral da CNBB, d. Dimas Lara Barbosa, disse esperar que a decisão do STF seja recebida de forma pacífica pelos indígenas e arrozeiros da reserva. Mas defendeu o uso da força policial para conter eventuais manifestações contrárias à determinação do Poder Judiciário.
"Se as coisas caminharem para a violência, o Estado tem que se fazer presente, sempre respeitando o direito dos agressores, mas se colocando em defesa dos inocentes. Se as pessoas se recusarem a cumprir a decisão, a Constituição diz que a polícia é o braço direito do Poder Judiciário."
Supremo O comando da CNBB se reuniu nesta quarta-feira com o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para entregar nota da entidade favorável à homologação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol. Dom Geraldo negou que a entidade tenha pressionado o ministro a defender a posição da CNBB, mas reconheceu que o motivo da visita foi expressar a sua "preocupação" sobre a decisão do tribunal.
"Sabemos que o Supremo age com toda a sua liberdade. Não é pressão, é a expressão de nossas preocupações. O ministro recebeu a nota da CNBB e disse que daria conhecimento dela aos demais ministros. Que a Justiça dos homens seja a Justiça de Deus, portanto esperamos uma decisão favorável aos povos indígenas", disse o bispo.
O plenário do STF julga na próxima quarta-feira ações que questionam a homologação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. O relator do tema, ministro Carlos Ayres Britto, analisou 33 ações contrárias à homologação contínua, como determinado pelo governo federal. Em abril, o STF decidiu liminarmente suspender a ação da Polícia Federal na reserva para a retirada dos arrozeiros que produzem na área.
(Por Gabriela Guerreiro,
Folha Online, 21/08/2008)