Um século depois das expedições rivais dos americanos Frederick Cook (1865-1940) e Robert Peary (1856-1920) que visavam a conquistar o pólo Norte, uma nova corrida está sendo disputada, desta vez no oceano glacial Ártico. Os seus protagonistas são as cinco potências que fazem fronteira com esta terra de ninguém congelada - Rússia, Canadá, Estados Unidos (através do Alasca), Noruega e Dinamarca (através da Groenlândia). Contudo, a meta que está em jogo não é mais a glória, mas sim os recursos naturais que estão contidos, em abundância, no fundo do mar.
Na quinta-feira, 21 de agosto, o navio quebra-gelo Louis S. Saint-Laurent, da guarda costeira canadense levantou âncora de Kugluktut (no território esquimó do Nunavut), para uma missão de seis semanas no mar de Beaufort, nos confins do Yukon canadense e do Alasca americano. Ele deverá encontrar-se, no começo de setembro, com o navio da guarda costeira americana Healy, que terá desatracado do Alaska.
Estão viajando em cada um dos navios cerca de vinte cientistas, geólogos, geofísicos, hidrógrafos e técnicos de diversas especialidades. Também foram embarcados instrumentos de cartografia dos fundos do oceano, que se destinam a medir a profundidade dos fundos e a espessura das camadas de sedimentos, e que permitirão efetuar um levantamento do relevo. Esta campanha conjunta, segundo anuncia o ministro canadense dos recursos naturais, Gary Lunn, deverá "favorecer uma coleta de dados eficiente que ajudará os dois países a delimitarem o planalto continental do oeste do Ártico".
A pesquisa científica não é a única, e nem mesmo a principal, motivação dos dois países. Segundo as mais recentes estimativas da Agência governamental americana de pesquisas geológicas (USGS), que foram publicadas no final de julho de 2008, o Ártico conteria "22% dos recursos energéticos ainda não descobertos, porém tecnicamente exploráveis" do planeta. Ao norte do círculo polar, estariam "dormindo", nos grandes fundos, quantidades de petróleo equivalentes a 90 bilhões de barris (ou seja, 13% das reservas mundiais inexploradas), além de 47 bilhões de metros cúbicos de gás natural (30% das reservas) e de 44 bilhões de barris de gás natural liquefeito (20% das reservas). Somando-se a essas reservas, devem ser acrescentadas hipotéticas jazidas de ouro, de diamantes, de níquel, de ferro, de cobre ou de estanho.
Tal quantidade de riquezas está fadada a incentivar a cobiça. Os russos, que reivindicam a posse de cerca de 45% do território circunscrito pelo círculo ártico, já saíram na frente fincando simbolicamente sua bandeira, em agosto de 2007, debaixo da calota glaciária, a 4.261 metros de profundidade. Por sua vez, os dinamarqueses, os americanos, os canadenses e os noruegueses também empreenderam missões científicas destinadas a estabelecer sua soberania sobre uma parte dos fundos oceânicos.
Com efeito, a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar permite que um Estado costeiro estenda sua jurisdição sobre o planalto continental - ou seja, que ele busque garantir sua soberania sobre o prolongamento das terras sob a superfície do mar - para além das 200 milhas náuticas (370 km) da sua zona econômica exclusiva. Isso, com a condição de fornecer a demonstração, perante uma comissão internacional, de que este setor se situa dentro da continuidade do seu território terrestre. E é nesse ponto que os cientistas intervêm no jogo.
"De um ponto de vista geológico, o planalto continental é a parte menos profundamente imersa (a algumas centenas de metros de profundidade), que se estende da orla até o promontório continental, o qual se caracteriza por apresentar uma ruptura de declive. A partir desta ruptura começam as bacias oceânicas profundas", explica Walter Roest, o diretor do departamento das geociências marinhas no Instituto Francês de Pesquisas para a Exploração do Mar (Ifremer). Contudo, acrescenta, "no nível jurídico, as coisas revelam ser mais complexas".
O caso da dorsal de Lomonossov é ilustra essa complexidade. Esta cadeia de montanhas submarinas, cujo comprimento é de 1.800 km e cuja altura é de mais de 3.000 metros, estende-se da Sibéria até a Groenlândia e a ilha canadense de Ellesmere. "Há várias dezenas de milhões de anos, esta região era parte integrante do planalto continental siberiano, conforme revela a similitude das suas rochas graníticas", explica Walter Roest. Este dado vem escorar as reivindicações da Rússia sobre uma vasta parcela do Ártico. Mas, prossegue o geólogo, a evolução da tectônica das placas fez com que esta dorsal se afastasse da Sibéria. O que consolida a posição do Canadá e da Dinamarca.
Por ocasião do 33º Congresso geológico internacional, que foi realizado de 6 a 14 de agosto em Oslo, os canadenses apresentaram "provas científicas" de que a dorsal de Lomonossov está vinculada às placas continentais da América do Norte e da Groenlândia. "Recorrendo a explosões controladas e a sismógrafos, que lhes permitiram medir a velocidade de propagação das ondas no interior de camadas profundas de 30 a 40 km, os pesquisadores demonstraram que havia uma continuidade geológica entre o continente e a dorsal", explica Jacob Verhoef, um especialista que atua como consultor junto ao ministério dos recursos naturais.
A competição que vem sendo travada em busca da exploração dos recursos polares - aguçada pela perspectiva da abertura de novas rotas marítimas, que deve se tornar possível por conta do derretimento da camada de gelo; e por efeito da vontade das grandes potências de afirmarem sua presença militar nesta região - não é nem um pouco promissora para a região do Ártico que, diferentemente do Antártico, não está protegida por um tratado internacional. Contudo, em maio de 2008, os cinco países costeiros, reunidos na Groenlândia, se comprometeram ainda assim a "adotarem todas as medidas necessárias (...) para garantir a proteção e a preservação do frágil meio ambiente marinho do oceano Ártico".
(Por Pierre Le Hir, Le monde, Uol, 22/08/2008)