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amianto saúde e segurança no trabalho eternit
2008-08-22

-- Alô!
-- Consultório...
-- É do consultório do doutor Terra?
-- Sim.
-- Ele está?
-- Deu uma saidinha; volta mais tarde.
-- Os doutores Nery e Bagatin também são daí?
-- Sim.
-- Me deram esse telefone como sendo da junta médica da Eternit... É isso mesmo?
-- Sim.
-- Seria possível marcar consulta com um deles?
-- Marcar consulta é em outro telefone. Fala lá com a Marina...
-- Mas, se a pessoa for até aí, será que eles atenderiam?
-- Não, não. Aqui, é de outro jeito.
-- É só com encaminhamento da Eternit?
-- Sim.
-- Por favor, qual o seu nome?
-- Paula.
-- Eu digo à Marina que você, Paula, foi que indicou?
-- Sim.
-- Qual o endereço daí?
-- Por que você quer saber?

O consultório é dos médicos Mario Terra Filho, Ericson Bagatin e Luiz Eduardo Nery. A secretária eletrônica informa: CDDR -- Centro de Diagnóstico de Doenças Respiratórias. Fica a uns 200 metros do complexo do Hospital São Paulo/Universidade Federal de São Paulo (HSP/Unifesp). É à rua Borges Lagoa, Vila Clementino, zona Sul de São Paulo. O visitante só sobe depois de apresentar aos funcionários da recepção do edifício documento de identidade e passar por identificador biométrico, onde deixa suas impressões digitais. Os recepcionistas têm na ponta da língua: a junta médica da Eternit fica no 81 e 82; os doutores Terra, Bagatin e Nery são de lá, sim; o doutor Terra só aparece às sextas-feiras.

Os três têm outro ponto em comum. “Pesquisa feita por professores da Unicamp, USP e Unifesp comprovou que não existe no Brasil nenhum registro de qualquer tipo de doença relacionada ao amianto, ou asbesto, entre trabalhadores admitidos após 1980”, afirma Marina Júlia de Aquino, presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila. O objetivo principal do IBC é fazer lobby a favor dos interesses da indústria do amianto branco, ou crisotila.

Élio Martins, presidente do Grupo Eternit, o maior do País na área de amianto, apoiado na mesma pesquisa, reafirma: “Desde 1980, quando começamos a trabalhar só com a crisotila e adotamos várias medidas de segurança, não temos nenhum trabalhador doente em nossas fábricas nem em nossa mineradora”.

Ericson Bagatin, professor de saúde ocupacional da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é o coordenador da pesquisa mencionada. Ele argumenta: “Nós avaliamos 4.200 ex-empregados e trabalhadores que, de 1940 a 1996, trabalharam na mineração e foram expostos ao amianto. No grupo que começou após 1980, quando as indústrias implementaram medidas coletivas de proteção, todos foram examinados e não observamos nenhum tipo de doença relacionada ao asbesto”. Mário Terra Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e chefe do Ambulatório de Pneumologia Ocupacional do Instituto do Coração, o Incor –SP, e Luiz Eduardo Nery, professor de Pneumologia da Unifesp, também participam da pesquisa.

“Essa é a propaganda utilizada pelo lobby do amianto, mas sabemos que é falaciosa”, rebate Eliezer João de Souza, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). “Nós temos conhecimento de trabalhadores que iniciaram suas atividades depois de 1980 e adoeceram por causa do amianto; há óbitos, inclusive.”

Médicos da empresa
Manoel de Souza e Silva Júnior, 64 anos, é casado com dona Maria Lúcia, tem seis filhos (cinco mulheres e um homem), 16 netos e 1 bisneta. Reside atualmente em Goiânia. De agosto de 1982 a novembro de 1996, trabalhou na SAMA, a mineradora do Grupo Eternit, que fica em Minaçu, norte do estado de Goiás.

O “Português”, seu apelido entre os amigos, era mecânico de manutenção de máquina perfuratriz. Periodicamente, como recomenda Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para ex-empregados do setor de amianto, fazia avaliação específica de saúde. Ela inclui exame clínico e exames complementares, como radiografia de tórax, tomografia de pulmão e espirometria, ou prova de função pulmonar, que avalia a capacidade respiratória e possíveis limitações associadas.

“Esses exames são feitos em clínicas indicadas pela própria SAMA, em Goiânia, e enviados à junta médica, para fazer o laudo”, conta a filha Lúcia de Souza e Silva Marques, 41 anos, a Lucinha, pedagoga e professora de arte. “Depois, o laudo é mandado para o médico da SAMA que, aí, nos entrega. Todas as imagens dos exames ficam com a empresa. A gente nunca tem acesso a elas nem ao prontuário médico.”

Em maio de 2005, Manoel fez a sua avaliação periódica de saúde. O laudo, datado de 24 de junho de 2005, concluiu que Manoel não tinha alteração pleuro-pulmonar relacionada à exposição ao asbesto. É assinado por cinco médicos de São Paulo: Mário Terra Filho, Luiz Eduardo Nery, Ericson Bagatin, Reynaldo Tavares Rodrigues e Jorge Issamu Kawakama (já falecido). Os três primeiros formam a junta médica do Grupo Eternit, do qual a SAMA faz parte. São também os professores que assinam a pesquisa pela Unicamp, USP e Unifesp, citada pela presidente do IBC e pelo presidente do conglomerado Eternit S/A.

Nódulos malignos
No início de 2006, seis, sete meses após a avaliação acima, Manoel consultou-se com um cardiologista de sua confiança. Ele já era hipertenso e cardiopata. “Como meu pai fumou a vida inteira e havia trabalhado com amianto, o médico solicitou vários testes, entre os quais radiografia de tórax”, prossegue Lucinha. “A radiografia detectou um nódulo no pulmão. Tomografia de abdômen descobriu também nódulos nos rins. Meu pai estava com câncer em pulmão e rim direitos e no mediastino [espaço que fica entre coração, pulmões, coluna vertebral e grandes vasos sangüíneos existentes no tórax]”.

O caso chegou à SAMA. Mais precisamente a Eduardo Andrade Ribeiro, ginecologista e médico do trabalho da empresa, e a Milton do Nascimento, gerente de Saúde Ocupacional do Grupo Eternit. Rapidamente a empresa, num ato de “liberalidade” (é um termo que gostam muito de usar), prontificou-se a custear todo o tratamento. Manoel veio para São Paulo com a esposa e Lucinha. Em julho de 2006, fez a cirurgia do pulmão; tirou parte dele. Após aproximadamente 20 dias, operou também o rim. Todas as despesas das duas cirurgias e da hospedagem da família em São Paulo foram custeadas pela SAMA.

Material do tumor do pulmão foi enviado aos Estados Unidos para exames. No início de 2007, a família recebeu o resultado. “O médico da SAMA nos disse que não havia nada relacionado ao amianto”, relembra a filha. “Inicialmente, ficamos aliviados. Se não era o amianto, o nosso maior temor, e a cirurgia havia retirado os tumores, por que nos preocupar? Mal sabíamos que estávamos enganados e sendo enganados.”

Assina o exame o patologista Victor L. Roggli, do Duke University Medical Center, Durham, Carolina do Norte. O laudo, datado de 5 de outubro de 2006, é endereçado à médica Vera Luiza Capelozzi, professora da Faculdade de Medicina da USP. A tradução para o português foi realizada em 14 de novembro de 2006 pelo tradutor público João Carlos Aguiar Gay.

Novo Laudo
É mais do que sabido que, no longo prazo, o amianto promove alterações nas células, causando câncer de pulmão. A pessoa exposta ao amianto e, ao mesmo tempo, fumante, tem 57 vezes mais probabilidade de ter esse tumor maligno do que quem não está nessas duas situações. É que o amianto e o tabaco têm efeito sinérgico: um potencializa o malefício do outro. O senhor Manoel manteve contato com esses dois fatores de risco importantes para o câncer de pulmão.

Ele só piorava. Mesmo assim, a SAMA parou de custear o tratamento. Foi quando amigos alertaram sobre a possibilidade de o exame feito nos Estados Unidos não ser totalmente confiável. A família resolveu então refazer os testes. A reavaliação foi no próprio Incor de São Paulo no início de 2008. O senhor Manoel e Cláudia, outra filha, vieram para a capital paulista com despesas, agora, totalmente custeadas pela família.

A conclusão pôs abaixo a versão oficial de que após 1980 nenhum trabalhador havia adoecido. O relatório tem cinco páginas. É assinado pelo médico Ubiratan de Paula Santos, também da disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da USP, como Mario Terra Filho.

“Meu pai grita de dor, está à base de morfina; tem metástases em ossos, cabeça, fígado; os dois rins estão tomados pelo câncer, somente um funciona”, afirma Lucinha. Dona Maria Lúcia revolta-se: “Esses médicos são uns assassinos! Que junta médica é essa que vê o problema e finge que não vê? É criminoso!”

Denúncia
Fernanda Giannasi, engenheira de segurança do trabalho e auditora fiscal do MTE denuncia: “Não existem casos de doenças entre trabalhadores que começaram depois de 1980, porque as indústrias, com o beneplácito de alguns médicos, escondem a verdade”.

Maior referência no Brasil na área de amianto, Fernanda põe o dedo em outra ferida: “Como confiar em estudos em que os pesquisadores são pagos pela indústria para integrar a sua junta médica, que arbitra não só a doença associada ao amianto como a categoria que determina o valor da indenização em acordos extrajudiciais? E como confiar numa junta médica que, ao mesmo tempo, recebe da indústria para fazer pesquisa para mostrar que o amianto não faz mal à saúde e que as condições das nossas fábricas são as melhores do mundo, quando eu, como auditora fiscal do Ministério do Trabalho, posso provar que isso é mistificação?”

Sentença de morte = R$ 36.976,65
“Numa atitude pró-ativa, a companhia disponibiliza aos ex-colaboradores um acordo extrajudicial”, expõe Élio Martins. Para isso, o ex-empregado tem que passar por uma junta médica pré-determinada e se submeter a exame clínico, radiografia de tórax, tomografia de pulmão e prova de função pulmonar.

Suponhamos que se detecte placa pleural, situação que pode não dar sintomas, mas pode também acarretar falta de ar, cansaço, dores nas costas e tosse. “É um marcador de exposição ao amianto e não uma doença”, nos diz em e-mail o Grupo Eternit. “Mas, por liberalidade, o ex-colaborador recebe um plano de saúde vitalício.”

Uma asbestose leve corresponde a uma indenização de R$ 12.326,40 mais plano de saúde vitalício. A asbestose, popularmente conhecida como “pulmão de pedra”, endurece pouco a pouco esse órgão, fibrosando-o; leva lentamente à morte. Já um mesotelioma (tumor maligno de pulmão, pleura, pericárdio e peritônio) vale R$ 36.976,65! Seu diagnóstico é sentença de morte rápida. A quase totalidade vai a óbito em um ano. No dia 3 de julho, matou Aldo Vicentin, 66 anos, ex-secretário geral da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). Aldo morreu aproximadamente três meses após o diagnóstico.

“Indenização pífia. No Brasil, ainda custa muito pouco causar a morte e a incapacidade temporária ou permanente de um trabalhador”, reage Fernanda. “Condena-se a dez anos de prisão um homem por roubar uma pizza, mas não se pune exemplarmente uma companhia que explora e comercializa material cancerígeno, que é uma questão de saúde pública. É a certeza da impunidade de quem tem no bolso gente poderosa de todas as esferas da sociedade.”

“Se essa compensação financeira é justa? Bem, foi aquilo que a empresa entendeu que ela poderia fazer”, justifica Élio Martins. “Agora, se as pessoas acham que o valor é baixo ou alto é outra questão. Depende da avaliação de cada pessoa.”

(Por Conceição Lemes, Especial para Viomundo, julho de 2008)


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