Sob forte pressão da bancada ruralista, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, recuou ontem de sua decisão de obrigar os produtores rurais a criar e registrar as áreas de reserva legal de 20% em todas as propriedades rurais do país em 120 dias.
Um decreto publicado há um mês instituiu a obrigatoriedade e ameaçava punir os produtores que descumprissem a Lei de Crimes Ambientais, editada em 1998, com multas de até R$ 100 mil, apreensão de animais, equipamentos e produtos, além da proibição da concessão de crédito rural. "Quando a gente erra a mão, tem que consertar. O decreto não pode pôr nem 'despor'. O que extrapolou e legislou é nulo de pleno direito e vai ser expurgado do decreto", afirmou o ministro aos deputados da Comissão de Agricultura durante audiência pública convocada para debater o tema. "As penas e multas serão suprimidas", garantiu.
Sob aplausos dos ruralistas, Minc prometeu ampliar o prazo de adequação de 120 dias para até um ano. "Tem prazos inexeqüíveis? Então, esses prazos podem e devem ser alterados", disse. E afirmou que o registro das áreas de reserva legal não significa a obrigação de recomposição imediata das áreas. "Averbar não é recompor de forma imediata. É apenas uma declaração de intenções que o dono pode fazer". Na semana passada, Minc já havia anunciado um acordo com o Ministério da Agricultura que permitiria ao produtor fazer a recomposição da reserva legal em áreas fora da bacia hidrográfica onde está situada a propriedade.
Para bombardear o decreto, chamada de "pequeno terremoto" e "uma sacudida" por Minc, os ruralistas alegavam que o texto era "ilegal" e "inconstitucional". E ameaçavam sustar a medida do Executivo com um decreto legislativo no Senado e uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
O Decreto 6.514 também obrigava o reflorestamento das áreas e a apreensão de animais domésticos situados em áreas de reserva ambiental. O decreto proibia o cultivo em áreas de várzeas, topos de morros e encostas com declividade superior a 45 graus, onde estão boa parte das plantações de arroz, uva, maçã, cana e café. "Se voltassem as áreas de 45 graus, criaria ressalvas para uva, café e maçã. Ou você acha que o governo vai mandar arrancar esses produtos das encostas?"
O recuo de Minc abriu brecha para a ampliação das demandas dos ruralistas. A bancada aproveitará o momento de "fragilidade" dos ambientalistas para emplacar alterações na medida provisória que revisa o Código Florestal. Um grupo de trabalho instituído ontem terá 120 dias para propor um acordo que permitirá a votação da MP 2166, editada em 2001 pelo então ministro e atual deputado Sarney Filho (PV-MA). "Sem votar o código, tudo que o governo fizer será apenas remendo na legislação ambiental", diz o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), relator da MP na Câmara. Se depender de Minc, há espaço para negociação: "No caso do código, haverá acordos e desacordo. Mas vamos abrir o diálogo para avançar".
Antes do anúncio público do recuo, Minc reuniu-se a portas fechadas com parlamentares para fechar um acordo de revisão do decreto e amenizar o tom das críticas dos ruralistas. O encontro, restrito a 12 líderes do setor, irritou os demais deputados. "Essa reunião pública é uma pantomima?", questionou o deputado Humberto Souto (PPS-MG). O presidente da comissão, Onyx Lorenzoni (DEM-RS) apressou-se em negar o esvaziamento da sessão, mas não convenceu os colegas. "Se já veio tudo decido, o que estamos fazendo aqui?", irritou-se Duarte Nogueira (PSDB-SP).
A "boa vontade" com os ruralistas causou declarações inusitadas no plenário da comissão. O deputado Moreira Mendes (PPS-RO) disse ter sido tomada por um espírito ambientalista: "Sou mais ambientalista hoje do que há dez anos". Outros fizeram discursos com elogios à atuação do ministro. Diante da repercussão, Minc manteve o discurso de repressão às ilegalidade do setor. "Não é frouxidão, é para avançar. Estamos caindo com tudo em cima".
(Por Mauro Zanatta, Valor Online, 21/08/2008)