O jurista Dalmo Dallari apontou ontem o ministro da Defesa, Nelson Jobim, como um dos principais articuladores do processo de resistência à demarcação em área contínua da reserva Raposa Serra do Sol - homologada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também disse que o presidente do STF, Gilmar Mendes, não deveria participar do julgamento dessa questão, previsto para o dia 27, porque "não será um juiz isento".
As afirmações foram feitas durante um ato de solidaridade aos índios de Roraima, realizado em São Paulo pela organização Makunaima Grita. Dallari lembrou que Jobim já atuou como advogado em duas ações contra demarcações de terras indígenas em Roraima e no Pará e perdeu no STF, nas duas disputas. Mais tarde, como ministro da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso, ele voltou à questão ao tentar reverter demarcações por meio de um decreto presidencial.
"Ele quis obter por meio do decreto o que não conseguiu nos tribunais", disse o jurista, professor emérito da USP e ex-diretor da Faculdade do Largo São Francisco. "Nós dissemos que não poderia mudar por decreto uma decisão do Supremo."
No mesmo tom acusatório, Dallari recordou que o assessor do Jobim na época do decreto foi então advogado-geral da União e atual presidente do STF, Gilmar Mendes. "O ministro não deve participar do julgamento dessa questão porque não será um juiz isento, imparcial", acrescentou.
No mesmo encontro, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha lembrou que, quando Mendes dirigia a Advocacia-Geral da União, ele defendeu o governo contra pessoas que tentavam ocupar áreas do Parque Nacional do Xingu usando títulos falsos. "Na mesma época ele dizia que não se podia fazer ilhas no parque porque isso descaracterizava toda a vida cultural dos indígenas", afirmou. E logo em seguida acrescentou: "Mas hoje, como presidente do Supremo e solidário às posturas do ministro Jobim, acho que tudo pode acontecer - e isso significa que, dependendo da decisão do Supremo, todas as demarcações no País podem ser revistas".
O ministro Jobim não quis comentar as declarações feitas a seu respeito durante o ato. Por meio de sua assessoria, disse que a questão pertence agora à alçada do STF. Mendes também não quis fazer comentários.
(Por Roldão Arruda, O Estado de S. Paulo, 21/08/2008)